MÓDULO 1
Relações de equivalência e
introdução a grupos
8 Estruturas Algébricas
Relações de equivalência e introdução a grupos
1.1 Relações de equivalência
Uma construção bastante conhecida que se pode fazer a partir de dois conjuntos A e B
é o produto cartesiano A B× , que consiste de todos os pares ordenados ( , ) a b onde o
primeiro elemento pertence a A e o segundo elemento pertence a B .
Exemplo 1.1.1 Sejam A = {1, 2,3, 4}e B = {5,6}, temos que:
A B× = {(1,5),(1,6),(2,5),(2,6),(3,5),(3,6),(4,5),(4,6)} ,
B A × = {(5,1),(5, 2),(5,3),(5, 4),(6,1),(6, 2),(6,3),(6, 4)} , e ainda
A A × = {(1,1),(1, 2),(1,3),(1, 4),(2,1),(2, 2),(2,3),(2, 4),(3,1),(3, 2),(3,3),(3, 4),(4,1),(4, 2),(4,3),(4, 4)}
RELAÇÕES DE EQUIVALÊNCIA E INTRODUÇÃO A
GRUPOS
Definição 1.1.2 Uma relação de A em B é simplesmente um subconjunto não vazio do
produto cartesiano A B× .
Exemplos 1.1.3
i. O conjunto R = {(1,5),(2,6),(3,5),(4,5)} ⊂ ×A B é uma relação de A em B .
ii. O conjunto S = {(5, 4),(6,3),(6, 4)} ⊂ × B A é uma relação de B em A (mas não
de A em B pois S A B ⊄ × ).
iii. O conjunto T = {(5,5),(6,6)}é uma relação de B em B .
Quando temos uma relação R de A em A dizemos simplesmente que R é uma relação
sobre A . Assim é correto dizer que no exemplo 1.1.3 (iii) o conjunto T é uma relação
sobre B .
Estruturas Algébricas 9
MÓDULO 1
Definição 1.1.4 Uma função de um conjunto A num conjunto B é uma relação R de A
em B que tem a seguinte propriedade: para cada elemento a em A existe exatamente
um par ordenado em R que tem a como primeira entrada.
No espaço abaixo escreva uma relação de A em diferente do exemplo acima. Escreva
também uma relação de B em A , e ainda um subconjunto de A A × que não seja uma
relação sobre A .
I - ATIVIDADES – GUIA IMPRESSO
Relações com propriedades especiais aparecem em toda a matemática, e de maneira tão
frequente que muitas vezes nem percebemos. Por exemplo, a definição mais abrangente
de função entre conjuntos é baseada no conceito de relação.
Exemplos 1.1.5
Sejam A = {1, 2,3, 4} e B = {5,6}, temos que é uma função de A em B , pois é claramente
uma relação de A em B e para cada elemento a A ∈ existe um único elemento b B ∈
tal que ( , ) a b R ∈ .
Quando os conjuntos envolvidos são infinitos não é possível listar os pares ordenados da
função, e nesse caso temos que apelar para outras formas de indicar a escolha dos pares
ordenados selecionados. Por exemplo, se ℜ é o conjunto dos números reais, então um
exemplo de função sobre ℜ é 2
S a b b a = ∈ℜ×ℜ = {( , ) | }. Vemos que para cada
10 Estruturas Algébricas
Relações de equivalência e introdução a grupos
ATIVIDADES – Guia Impresso
elemento a∈ℜ existe um único par ordenado em S que tem a como primeira entrada,
a saber, o par 2
( , ) a a . Já o conjunto 2
T a b a b = ∈ℜ×ℜ = {( , ) | } apesar de ser uma
relação sobre ℜ não é uma função sobre ℜ pois, por exemplo, (4, 2)∈T e (4, 2) − ∈T
Da mesma forma 3 U a b a b a = ∈ℜ×ℜ = ≠ {( , ) | , 0} não é uma função sobre ℜ pois não
há em U nenhum par ordenado que tenha 0 como primeira entrada.
II- ATIVIDADES – GUIA IMPRESSO
Em cada item abaixo, verifique se T é uma função sobre ℜ e justifique sua resposta.
i) T a b b a = ∈ℜ×ℜ = + {( , ) | 3};
ii)
3
T a b a b a = ∈ℜ×ℜ = ≠ {( , ) | , 0} {(0,9)} ;
iii) T a b a b = ∈ℜ×ℜ = − {( , ) | 3 2} ;
iv) T a b b = ∈ℜ×ℜ = {( , ) | 5};
v) T a b a b a a b a b a = ∈ℜ×ℜ > = {( , ) | 0, 1/ } {( , ) | 0, 3 / } {(0,0)}. ∈ℜ×ℜ < = −
Estruturas Algébricas 11
MÓDULO 1
Observe que na definição de função apresentada acima não entra a palavra “regra”
ou “lei de formação”. Essas expressões são por vezes utillizadas no ensino do conceito
de função em cursos de nível anterior ao universitário, ou em cursos univesitários que
não sejam o de matemática. Para matemáticos a definição acima é fundamental, pois
em diversos lugares aparecem funções sobre ℜ que não têm “lei de formação”. Um
exemplo é a famosa função de Weierstrass, um exemplo de função que é contínua mas
não possui derivada em nenhum ponto (!). Ela é construída como um limite de funções.
Prova-se que tal limite existe e define uma função, mas não é possível escrever uma “lei
de formação” como as das funções nos exemplos e atividades acima. Se quiser saber
mais sobre essa função, faça um procura na internet sobre “função de Weierstrass”
ou consulte o primeiro artigo da revista da FAMAT-UFU, número 13, disponível em:
http://www.portal.famat.ufu.br/node/262 .
Neste curso vamos utilizar um tipo especial de relação sobre um conjunto A chamada
de relação de equivalência sobre A .
Definição 1.1.6 Seja A um conjunto não vazio. Dizemos que uma relação R A A ⊂ × é
uma relação de equivalência sobre A se R satisfaz as seguintes condições:
i) ( , ) a a R ∈ para todo a A ∈ ;
ii) se ( , ) a b R ∈ então ( , ) b a R ∈ ; e
iii) se ( , ) a b R ∈ e ( , ) b c R ∈ então ( , ) a c R ∈ .
12 Estruturas Algébricas
Relações de equivalência e introdução a grupos
Assim uma relação de equivalência é uma relação reflexiva (porque tem a propriedade
(i)), simétrica (porque tem a propriedade (ii)) e transitiva (porque tem a propriedade
(iii)).
Exemplos 1.1.7 . Seja
a) Temos que R = {(1,1),(2, 2),(3,3)} ⊂ ×A A é uma relação de equivalência sobre
A pois satisfaz (i), (ii) e (iii).
b) Temos que R = {(1,1),(2, 2),(3,3),(1, 2),(2,1)} ⊂ ×A A é
uma relação de equivalência sobre A pois satisfaz (i), (ii) e (iii).
c) Temos que R = {(1,1),(2, 2),(1, 2),(2,1)} ⊂ ×A A não é uma relação de
equivalência sobre A pois não satisfaz a condição (i).
d) Temos que R = {(1,1),(2, 2),(1, 2),(2,1),(3,1),(1,3)} ⊂ ×A A não é uma relação de
equivalência sobre A pois não satisfaz a condição (i).
e) Temos que R = {(1,1),(2, 2),(3,3),(1, 2)} ⊂ ×A A não é uma relação de equivalência
sobre A pois não satisfaz a condição (ii);
f) Temos que R = {(2, 2),(3,3),(1, 2),(2,1)} ⊂ ×A A não é uma relação de
equivalência sobre A pois não satisfaz a condição (iii) (já que (1, 2) ,(2,1) ∈ ∈ R R mas
(1,1)∉ R ) - é claro que R também não satisfaz a condição (i).
g) Seja ℜ o conjunto dos números reais e considere a relação sobre ℜ definida
por R a b b a = ∈ℜ×ℜ − {( , ) | é um número inteiro . Vejamos que R é uma relação de
equivalência sobre R . Iniciamos observando que para todo a∈ℜ vale que ( , ) a a R ∈
pois a a − é o inteiro 0, e portanto R satisfaz a condição (i). Por outro lado, se
( , ) a b R ∈ então b a − é um inteiro n logo a b − é o inteiro −n e portanto ( , ) b a R ∈
Estruturas Algébricas 13
MÓDULO 1
Finalmente temos que se ( , ) a b R ∈ e ( , ) b c R ∈ então b a n − = e c b m − = com n
e m inteiros, logo c a − é um inteiro (pois c a c b b a m n − = − + − = + ( ) ( ) ) e portanto
( , ) a c R ∈ . Isso completa a prova de que R é uma relação de equivalência sobre
ℜ . Entre os pares ordenados que estão em R temos (0,0),(0, 4),(3,0),(1, 2),(3,1),
(5,3),(0.5,3.5),( 2, ),( 2 3, 2) π π − + e (17 / 3,5 / 3) .
h) Seja Ζ o conjunto dos números inteiros e considere a relação sobre Ζ definida
por R a b b a = ∈ Ζ× Ζ − {( , ) | é um múltiplo inteiro de 5 } (onde b a − é um múltiplo
inteiro de 5 significa que b a m − = .5 , com m um inteiro). Vejamos que R é uma relação
de equivalência sobre Ζ. Para começar observe que se a∈ Ζ vale que ( , ) a a R ∈ pois
a a − = 0 e 0 0.5 = é múltiplo inteiro de 5, assim R satisfaz a condição (i). Por outro
lado, se ( , ) a b R ∈ então b a − é um múltiplo inteiro de 5, digamos b a m − = .5 , com m
um inteiro, logo a b m − = −( ).5 e portanto ( , ) b a R ∈ .Por último, se ( , ) a b R ∈ e ( , ) b c R ∈
então temos b a n − = .5 e c b m − = .5 , com n e m números inteiros, logo
c a c b b a m n − = − + − = + ( ) ( ) ( ).5 c b m − = .5 donde ( , ) . a c R ∈ Isso prova que R de fato é uma
relação de equivalência sobre Ζ. Denotando por 5Ζ o conjunto dos múltiplos inteiros
de 5 então podemos reescrever R como R a b b a = ∈ Ζ× Ζ − ∈ Ζ {( , ) | 5 } . Observe
que o conjunto 5 {..., 15, 10, 5,0,5,10,15,...} Ζ = − − − coincide com o conjunto dos
múltiplos inteiros de –5 de modo que o conjunto R não muda se o definimos como
R a b b a = ∈ Ζ× Ζ − {( , ) | é um múltiplo inteiro de –5} . Entre os pares ordenados que
estão em R temos (0,5),(5,0),(1,6),(7, 2),(3,8),(9, 4),(1, 4− − ),( 3, 2),(113, 28) etc.
Um conceito associado ao de relação de equivalência que é fundamental é o de classe
de equivalência.
14 Estruturas Algébricas
Relações de equivalência e introdução a grupos
Definição 1.1.8. Seja A um conjunto e R uma relação de equivalência sobre A . Para
cada elemento a A ∈ definimos a classe de equivalência de a (notação: a ) como
sendo o conjunto dos elementos de A que aparecem como entrada em pares ordenados
de R que têm a como a outra entrada. Assim a classe de equivalência de a A ∈ é o
subconjunto de A definido por a b A a b R = ∈ ∈ { | ( , ) } .
Depois de ler na definição acima que a classe de equivalência de a ∈ A é “o conjunto
dos elementos de A que aparecem como entrada em pares ordenados de R que têm
a como a outra entrada” pode ser que você tenha esperado que, em símbolos,
tivéssemos a = {b ∈ A | (a,b) ∈ R ou (b,a) ∈ R}. Isso não está errado, no entanto
observe que como R é uma relação de equivalência se temos (b,a) ∈ R então também
temos (a,b) ∈ R por isso para encontrar a basta procurar pelos elementos b ∈ A tais
que (a,b) ∈ R .
Em matemática, quando aparece algum conjunto numa definição devemos
sempre pensar se tal conjunto pode ser ou não o conjunto vazio. Acima, vimos
que a classe de equivalência de um elemento a A ∈ é um determinado subconjunto
a A ⊂ . Será que esse conjunto pode ser vazio? Vamos parar e pensar ..... huummm.....
Não! Não pode ser vazio pois como R é uma relação de equivalência sobre A temos
que ter ( , ) a a R ∈ e logo a é um dos elementos de A que aparecem como entrada em
pares ordenados de R que têm a como a outra entrada. Assim a a ∈ e portanto a não
é o conjunto vazio.
Estruturas Algébricas 15
MÓDULO 1
Destacamos o resultado observado acima no seguinte lema.
Lema 1.1.9. Seja A um conjunto e R uma relação de equivalência sobre A . Para cada
elemento a A ∈ temos que a a ∈ .
Exemplos 1.1.10. Nos exemplos 1.1.7 temos que os itens (a), (b), (g) e (h) são exemplos
de relações de equivalência. Vamos ver algumas classes de equivalências que surgem
em cada caso.
No exemplo 1.1.7 (a) as classes de equivalência são as mais simples possíveis, a saber
1 {1}, 2 {2} = = e 3 {3} = . Observe que A = 1 2 3 .
Vamos determinar 1 no exemplo 1.1.7 (b). Temos que os elementos de A que aparecem
como entrada nos pares ordenados de R que têm 1 como a outra entrada são 1 (que
aparece no par (1,1) ) e 2 (que aparece nos pares (1, 2) e (2,1) ) , logo 1 {1, 2} = . Para
determinar 2 observamos que os elementos de A que aparecem nos pares ordenados
de R que têm 2 como a outra entrada são 2 (que aparece no par (2, 2)) e 1 (que
aparece nos pares (1, 2) e (2,1) ) logo 2 {1, 2} = . De maneira análoga é fácil ver que
3 {3} = . Assim temos que 1 2 = e 1 3 =ϕ , onde ϕ é o conjunto vazio; mais ainda vale
que A = 1 3 (ou seja, A é igual à união das distintas classes de equivalência, algo que
aconteceu acima também).
No exemplo 1.1.7 (g) vamos começar investigando que conjunto é a classe do zero. Por
definição temos que 0 é composto pelos números reais b tais que (0, ) b R ∈ , e da
definição de R nesse exemplo temos que (0, ) b R ∈ se e só se b − 0 é um número
inteiro. Assim a classe de zero é formada exatamente pelo conjunto dos números inteiros
16 Estruturas Algébricas
Relações de equivalência e introdução a grupos
Ζ, ou seja, 0 = Ζ ⊂ ℜ. E a classe do 1? Ela é composta pelos números reais b tais que
(1, ) b R ∈ , ou seja, b −1 é um inteiro. Mas se b −1 é um inteiro então b é um inteiro e
se b é um inteiro então b −1 é um inteiro. Assim o conjunto dos números reais b tais
que b −1 é um inteiro é exatamente o conjunto dos inteiros, e portanto as classes do 1
e do 0 coincidem. Pensando bem, se n é um inteiro então a classe de n é composta dos
números reais b tais que b n − é um inteiro, e raciocinando como acima vemos que isso
acontece, e só acontece, quando b é inteiro. Assim, para qualquer inteiro n temos
n = = Ζ 0 . Então vamos agora pensar na classe de um número real que não seja inteiro,
por exemplo, 1/ 2 . A classe de 1/ 2 é formada pelos números reais b tais que b −1/ 2 é
um inteiro, e temos b n − = 1/ 2 se e só se b n = +1/ 2 , onde n é um inteiro. Assim
1/ 2, 3 / 2 e 5 / 2 estão em
____
1/ 2 , bem como −1/ 2 e −3 / 2 , pois
____
1/ 2 { 1/ 2 | } = + ∈ Ζ n n .
Observe que
____
1/ 2 0 =ϕ .
No exemplo 1.1.7 (h) vamos começar novamente investigando que conjunto é a classe
do zero. Por definição temos que 0 é composto pelos números inteiros b tais que
(0, ) b R ∈ , e da definição de R nesse exemplo temos que (0, ) b R ∈ se e só se b − 0 é
um múltiplo inteiro de 5 . Assim a classe de 0 é o conjunto
0 {... 15, 10, 5,0,5,10,15,...} { .5 | } = − − − = ∈ Ζ m m . Já a classe de 1 é formada pelos
inteiros b tais que se b −1 é um múltiplo inteiro de 5 , ou seja b m − =1 .5 para algum
m inteiro, ou seja, b m= + .5 1 para algum m inteiro. Temos, portanto que
Estruturas Algébricas 17
MÓDULO 1
1 {... 14, 9, 4,1,6,11,16,...} { .5 1| } = − − − = + ∈ Ζ m m .
Da mesma forma temos que 2 {... 13, 8, 3, 2,7,12,17,...} { .5 2 | } = − − − = + ∈ Ζ m m ,
3 {... 12, 7, 2,3,8,13,18,...} { .5 3 | } = − − − = + ∈ Ζ m m e
4 {... 11, 6, 1, 4,9,14,19,...} { .5 4 | } = − − − = + ∈ Ζ m m . Observe que temos
Ζ = 0 1 2 3 4 : de fato, dado um número inteiro n , se fazemos a divisão usual
dele por 5 vamos escrever n m r = + .5 onde r = {0,1, 2,3, 4} e portanto n está em uma
das classes 0 , 1 , 2 , 3 ou 4 . Observe também que quaisquer duas dessas classes não
têm elementos em comum (nesse caso dizemos que a união 0 1 2 3 4 é uma
união disjunta porque a interseção de quaisquer dois conjuntos que aparecem nessa
união é o conjunto vazio).
Nos exemplos acima pudemos verificar, como esperávamos, que se R é uma relação de
equivalência sobre A e a A ∈ então a a ∈ , mas obervamos também que, ao menos
nesses exemplos, duas classes de equivalência ou coincidem (como 1 e 2 , no exemplo
(b), ou 0 e 1 , no exemplo (c)) ou são disjuntas (ou seja, sua interseção é o conjunto
vazio). Além disso, em vários exemplos foi possível verificar que o conjunto A pode ser
escrito como a união de classes de equivalência. Esse é um fato geral, que não é difícil de
ser provado.
18 Estruturas Algébricas
Relações de equivalência e introdução a grupos
Proposição 1.1.11 Seja R uma relação de equivalência sobre um conjunto A . Então vale
que :
a A
A a
∈
=
Prova. Para cada a A ∈ temos, pela definição de classe de equivalência, que a A ⊂ , logo
a A
a A
∈
⊂ . Por outro para cada a A ∈ temos a a ∈ logo { }
a A a A
A a a
∈ ∈
= ⊂ , o que
completa a prova.
Utilizamos o símbolo para indicar o final de uma demonstração (os bons e velhos
c.q.d. ou q.e.d. caíram de moda!). Assim fica claro a separação entre o texto de uma
prova e o texto expositivo. Tal prática é comum em livros de matemática, sendo também
utilizados os símbolos ou com o mesmo objetivo.
O que fizemos acima é um “método” bastante utilizado de pesquisa, até mesmo
em pesquisas de alto nível, que buscam resultados matemáticos ainda desconhecidos. O
que se faz é estudar um grande número de exemplos de um mesmo objeto tentando
detectar padrões que sejam indicadores de um resultado teórico mais geral. Isso mostra
a importância de se fazer exemplos, especialmente em matérias onde os conceitos são
“abstratos”. E fazer exemplos também é muito importante para a compreensão de tais
conceitos. Por isso, sugiro fortemente que em todas as matérias desse e demais cursos
de matemática que você fizer, sempre faça ou procure nos livros o maior número de
Estruturas Algébricas 19
MÓDULO 1
exemplos que puder quando estiver estudando um conceito novo. Isso te ajudará a
entendê-lo e talvez até a antecipar resultados que irá estudar.
No exemplo (b) acima vimos que 1 {1, 2} = e depois verificamos que 1 2 = . No exemplo
(c) vimos que 0 = Ζ e que para qualquer inteiro n vale n = 0 . Isso sugere que se R é
uma relação de equivalência sobre um conjunto A e b a ∈ então b a = , e de fato isso é
verdade!
Proposição 1.1.12 Seja R uma relação de equivalência sobre um conjunto A e sejam a
e b elementos de A . Se b a ∈ (ou equivalentemente, se ( , ) a b R ∈ ) então b a = .
Prova. Como b e a são conjuntos vamos provar que b a = provando que b a ⊂ e
a b ⊂ . A hipótese é que b a ∈ e sabemos da Definição 1.1.8 que isso é equivalente a
( , ) a b R ∈ . Por outro lado como R é uma relação de equivalência temos que ( , ) a b R ∈
se e só se ( , ) b a R ∈ ; assim podemos usar à vontade, por hipótese, que b a ∈ ou
( , ) a b R ∈ ou ( , ) b a R ∈ .
Para mostrar que b a ⊂ , seja c b ∈ . Então, por definição de classe de equivalência,
temos que ( , ) b c R ∈ . Como, por hipótese, vale ( , ) a b R ∈ temos da propridade (iii) da
definição de relação de equivalência (Def. 1.1.6) que ( , ) a c R ∈ , logo novamente pela
definição de classe de equivalência temos c a ∈ . Isso prova que b a ⊂ .
Para mostrar que a b ⊂ , seja c a ∈ . Então, por definição de classe de equivalência,
temos que ( , ) a c R ∈ . Por hipótese vale ( , ) b a R ∈ , e de ( , ) b a R ∈ e ( , ) a c R ∈ temos (de
20 Estruturas Algébricas
Relações de equivalência e introdução a grupos
novo por (iii) na Def. 1.1.6) que ( , ) b c R ∈ , logo c b ∈ . Isso prova que a b ⊂ , e portanto
b a = .
Observamos também nos Exemplos 1.1.10 que classes de equivalência podem ser
disjuntas, e não encontramos exemplos onde a interseção de duas classes fosse um
subconjunto próprio das duas. Por outro lado, dados a e b em A , e R A A ⊂ × uma
relação de equivalência sobre A , é claro que ou ( , ) a b R ∈ ou ( , ) a b R ∉ . Se ( , ) a b R ∈ o
resultado acima mostra que b a = , logo se ( , ) a b R ∉ a análise acima indica que devemos
ter as classes a e b disjuntas, e de fato isso acontece.
Proposição 1.1.13 Seja R uma relação de equivalência sobre um conjunto A e sejam a
e b elementos de A . Se ( , ) a b R ∉ (ou equivalentemente, se b a ∉ ) então b a =ϕ .
Prova. Faremos uma prova “por absurdo”, ou seja, vamos mostrar que não se pode ter
ao mesmo tempo a hipótese e o contrário do que queremos mostrar (ou seja, o contrário
da tese), assim sempre que tivermos a hipótese teremos que ter a tese. A hipótese é que
( , ) a b R ∉ e a tese é que b a =ϕ , logo o contrário da tese é que b a ≠ ϕ . Assim
vamos supor juntamente com a hipótese que exista um elemento c b a ∈ . Como c b ∈
temos pela definição de classe de equivalência que ( , ) b c R ∈ e como c a ∈ temos que
( , ) a c R ∈ . Da propriedade (ii) na definição de relação de equivalência temos que como
( , ) b c R ∈ também vale que ( , ) c b R ∈ . De ( , ) a c R ∈ e ( , ) c b R ∈ (mais a propriedade (iii)
na definição de relação de equivalência) temos que ( , ) a b R ∈ em contradição lógica
Estruturas Algébricas 21
MÓDULO 1
com a hipótese ( , ) a b R ∉ . Isso prova que sempre que tivermos ( , ) a b R ∉ também
temos que ter b a =ϕ .
As proposições 1.1.12 e 1.1.13 acima mostram que duas classes de equivalência a e b
ou coincidem ou são disjuntas, coincidindo quando ( , ) a b R ∈ e sendo disjuntas quando
( , ) a b R ∉ . Por outro lado, na proposição 1.1.11 vimos que A é a união das classes de
equivalência de R . Daí concluímos que as distintas classes de equivalência determinadas
por R formam uma partição de A (quando um conjunto A é a união de uma coleção
de conjuntos disjuntos, dizemos que essa coleção de conjuntos formam uma partição de
A ).
Exemplos 1.1.14. Nos exemplos abaixo, que fazem referência a exemplos que já tratamos
anteriormente, vamos imaginar que os pontos de A estão num círculo. Queremos ver
como as classes de equivalência de R , em cada exemplo, dividem A em conjuntos
disjuntos.
a) Nos Exemplos 1.1.7 (a) e 1.1.10 (a) temos que A = {1, 2,3} e R = {(1,1),(2, 2),(3,3)} ⊂ ×A A
de modo que 1 {1}, 2 {2} = = e 3 {3} = . Assim A é a união de três classes de equivalência
distintas:
22 Estruturas Algébricas
Relações de equivalência e introdução a grupos
b) Nos Exemplos 1.1.7 (b) e 1.1.10 (b) temos que A = {1, 2,3} e
R = {(1,1),(2, 2),(3,3),(1, 2),(2,1)} ⊂ ×A A de modo que A é a união de duas classes de
equivalência distintas, a saber 1 2 {1, 2} = = e 3 {3} = :
c) Nos exemplos 1.1.7 (h) e 1.1.10 (d) temos uma relação de equivalência sobre o
conjunto Ζ dos inteiros dada por R a b b a = ∈ Ζ× Ζ − {( , ) | é um múltiplo inteiro de 5}
e vimos que Ζ = 0 1 2 3 4 . Como
1 {... 14, 9, 4,1,6,11,16,...} { .5 1| } = − − − = + ∈ Ζ m m temos da Proposição 1.1.12 que para
todo m∈ Ζ vale m.5 1 1 + = (pois m.5 1 1 + ∈ ), da mesma forma m.5 2 2 + = , m.5 3 3 + =
, m.5 4 4 + = e m.5 0 = . Isso mostra que as distintas classes de equivalência são
exatamente 0, 1, 2, 3 e 4 , e temos
Estruturas Algébricas 23
MÓDULO 1
d) Nos Exemplos acima vimos que a relação de equivalência dividiu o conjunto sobre o
qual ela está definida em um número finito de subconjuntos, que são as distintas classes
de equivalência – de fato, podemos pensar que o conjunto foi “fatiado” como uma pizza
em um número finito de pedaços, sendo que cada pedaço contém uma das distintas
classes de equivalência. Já nos exemplos 1.1.7 (g) e 1.1.10 (c) essa idéia continua válida,
só que teremos agora um número infinito de pedaços de pizza. De fato, as distintas
classes de equivalência são exatamente aquelas da forma a , onde a é um número real
tal que 0 1 ≤ < a . Vejamos que as classes desses números são distintas, lembrando que
a relação R é definida sobre o conjunto ℜ dos reais por R a b b a = ∈ℜ×ℜ − {( , ) | é um
número inteiro}. Assim, se a b, [0,1) ∈ então não temos ( , ) a b R ∈ (pois b a − não é um
inteiro) logo pela Proposição 1.1.13 temos b a =ϕ , e em particular b a ≠ . Não vamos
provar formalmente que essas são todas as classes, mas observe, por exemplo que se
π = 3,14159265... então π = 0,14159265... pela Proposição 1.1.12, já que
( , 0,14159265...) π ∈ R pois π − 0,14159265... 3 = ∈ Ζ . Por outro lado
− = − π (1 0,14159265...) 0,85840734... = já que − − π 0,85840734... =
− − − π (1 0,14159265...) = −3,14159265... 1 0,14159265... 4 − + = − ∈ Ζ . Dessa forma
pode-se mostrar que dado um número real a existe um único b∈[0,1) tal que a b = .
As propriedades de classe de equivalência enunciadas nas poposições 1.1.12 e 1.1.13
são fundamentais e devem ser bem entendidas. Isso porque nas aplicações de relações
de equivalência, como veremos, o objetivo sempre é trabalhar com as classes de
equivalências como os novos objetos de estudo. Assim, passa-se do estudo do conjunto
A sobre o qual está definida a relação de equivalência R , para o estudo do conjunto
24 Estruturas Algébricas
Relações de equivalência e introdução a grupos
quociente de A por R que é o conjunto { | } a a A ∈ das classes de equivalência
determinadas por R . Como visto acima, os conceitos de relação de equivalência e classe
de equivalência são simples (certo?) mas devemos ficar atentos às aplicações, pois em
cada caso as notações para a relação de equivalência e classes de equivalência podem não
ser iguais às vistas acima. Nesse livro mostraremos, em cada aplicação, como entender
as relações de equivalências que aparecerão segundo a teoria apresentada acima.
1.2 Introdução à estrutura de grupos
Nessa segunda parte do Módulo 1 veremos os conceitos básicos sobre a estrutura
conhecida como grupo. No Módulo 2, utilizando entre outros conhecimentos resultados
sobre relações de equivalência, aprofundaremos o estudo de grupos.
O estudo de grupos foi motivado por observações como as seguintes:
1) A soma de dois inteiros é um inteiro, a soma é associativa, existe um inteiro – o zero
– que quando somado a qualquer outro o resultado é esse qualquer outro, e dado um
inteiro existe outro que somado a ele dá como resultado o zero;
2) A soma de duas matrizes (digamos 2x2 e com entradas reais) é uma matriz, a soma é
associativa, existe uma matriz – a matriz nula – que quando somada a qualquer outra
o resultado é essa qualquer outra, e dada uma matriz existe outra que somada a ela dá
como resultado a matriz nula;
3) A soma de dois polinômios (digamos que eles tenham coeficientes reais) é um
polinômio, a soma é associativa, existe um polinômio – o polinômio nulo – que quando
somado a qualquer outro o resultado é esse qualquer outro, e dado um polinômio
existe outro que somado a ele dá como resultado o polinômio nulo.
Estruturas Algébricas 25
MÓDULO 1
Definição 1.2.1. Dizemos que um conjunto não vazio G é um grupo se existe uma
operação sobre G , que será denotada por . , de modo que sejam satisfeitas as seguintes
condições:
a) a operação é associativa, ou seja, para todos a , b e c em G vale que
( . ) . . ( . ) a b c a b c = ;
b) existe um elemento em G , que será denotado por e , tal que e a a e a . . = =
para todo a em G ;
c) para cada elemento a em G existe um elemento que será denotado por 1
a
−
tal
que 1 1
a a a a e . .
− −
= = .
É muito importante observar que . , e e 1
a
−
são notações que designam uma
operação e elementos com determinadas propriedades no grupo, e não é verdade, de
modo geral, que . é a multiplicação usual de números, e 1
a
−
é o inverso multiplicativo
de um número a . No primeiro exemplo abaixo essa coincidência vai ocorrer, mas os
demais exemplos vão mostar que nem sempre é assim.
Esse e muitos outros exemplos deram origem à seguinte definição:
Exemplos 1.2.2 Para dar exemplo de um grupo é preciso, segundo a definição acima,
especificar um conjunto e uma operação sobre os elementos desse conjunto.
1) Como um primeiro exemplo, vamos tomar o conjunto dos números reais diferentes
de zero, normalmente denotado por * ℜ , e a operação vai ser a multiplicação usual (de
26 Estruturas Algébricas
Relações de equivalência e introdução a grupos
modo que nesse primeiro exemplo, o símbolo . que aparece na definição de grupo de
fato vai simbolizar multiplicação). Sabemos que a multiplicação de números reais é
associativa, de modo que a condição (a) está satisfeita. Sabemos que existe um elemento,
que no caso vai ser o número real 1, que de fato tem a propriedade de que 1. .1 a a a = =
para todo a∈ℜ , de modo que (b) também fica satisfeita se tomamos o elemento e
como sendo o número 1. E dado um número real a se tomamos seu inverso multiplicativo
1
a
−
é claro que vale 1 1
a a a a . . 1 − −
= = . Assim * ℜ é um grupo com a operação de
multiplicação usual.
2) Como segundo exemplo, tome o conjunto dos números inteiros Z e a operação como
sendo a soma usual de inteiros, ou seja, na definição de grupos agora temos G Z = e .
agora é a soma usual. Nesse caso, a condição expressa no item (a) da definição 1.2.1, que
é ( . ) . . ( . ) a b c a b c = para todos a , b e c em G nesse exemplo se traduz como
( ) ( ) a b c a b c + + = + + para todos a , b e c em Z o que de fato é verdade, de modo
que a condição (a) está satisfeita nesse exemplo. Para verificar a condição (b) devemos
ter um elemento no grupo, que na definição é simbolizado por e , tal que valha
e a a e a . . = = para todo a em G , e como a operação . nesse exemplo é a soma usual,
vemos que o elemento que procuramos é o número 0 já que 0 0 + = + = a a a . Assim,
nesse exemplo, o número 0 é o elemento que na definição 1.2.1 é simbolizado por e (e
a soma usual é a operação representada por . naquela definição). Usando essa “tradução”
dos símbolos na definição para o nosso exemplo, procuramos agora, dado um a em Z ,
Estruturas Algébricas 27
MÓDULO 1
um elemento b em Z tal que a b b a + = + = 0 , e é claro que podemos tomar b a = − ,
ou seja, o elemento que na definição 1.2.1 é representado por 1
a
−
nesse exemplo
específico é o inverso aditivo −a . Isso mostra que Z é um grupo com a operação de
soma usual.
3) Vamos agora tomar para G o conjunto M das matrizes 2 2 × com entradas reais, e
para a operação . tomamos a soma usual de matrizes. Dadas matrizes a , b e c em M
é fácil verificar que a soma é associativa, ou seja, ( ) ( ) a b c a b c + + = + + , logo a condição
(a) da definição 1.2.1 é satisfeita. Para a condição (b) temos que encontrar uma matriz e
tal que e a a e a + = + = para todo a em M e portanto basta tomar e como sendo a
matriz nula (assim o símbolo e que aparece na definição de grupo nesse exemplo é a
matriz nula 0 ). Por último, dada uma matriz 11 1 2
21 22
a a
a
a a
=
se tomamos a matriz
11 1 2
21 22
a a
a
a a
− −
− =
− −
temos que a a a a + − = − + = ( ) ( ) 0 (lembrando que 0 aqui significa
a matriz nula) e portanto a condição (c) também é satisfeita (e vemos que o elemento
1
a
−
da definição nesse exemplo é a matriz −a ).
4) Como último exemplo veremos um grupo “abstrato”. Nesse caso tomaremos para o
conjunto G o conjunto G = { , } α β onde α e β são elementos que se combinam
segundo a tabela abaixo:
. α β
α α α α . = α β β . =
β β α β . = β β α . =
28 Estruturas Algébricas
Relações de equivalência e introdução a grupos
Para mostrar G com a operação . satisfaz à condição (a) temos que considerar todas as
possibilidades de combinação de dois elementos em três posições. Deixamos a maioria
das verificações para o leitor, fazendo apenas algumas:
( . ) . . α β α β α β = = e α β α α β β . ( . ) . = = logo ( . ) . .( . ) α β α α β α = ;
( . ) . . β β α α α α = = e β β α β β α . ( . ) . = = logo ( . ) . .( . ) β β α β β α = ; etc. Olhando
a tabela vemos que α α α . = e α β β α β . . = = logo o elemento α é o que na definição
de grupo é simbolizado por e , e temos que a condição (b) está satisfeita. Finalmente
falta verificar se para cada elemento existe um outro que multiplicado pelo primeiro tem
como resultado o elemento α (pois vimos acima que o elemento α serve como o
elemento e da definição de grupo) e da tabela temos que α α α . = e β β α . = . Assim
1 α α
−
= ,
1
β β
−
= e temos que a condição (c) também está satisfeita.
O conjunto dos inteiros com a operação usual de produto de inteiros não é um
grupo. Pense e verá que as condições (a) e (b) são satisfeitas – e, na (b), quem é o
elemento que faz o papel do elemento e ? – mas a condição (c) não é satisfeita.
No exemplo (4) acima escrevemos que “o elemento α serve como o elemento e ” na
definição de grupo. Se observamos a condição (b) daquela definição vemos que ela
postula a existência de um elemento e com a propriedade de que e a a e a . . = = para
todo a em G , e em princípio seria possível encontrar um exemplo de grupo no qual
diversos elementos tivessem a propriedade que caracteriza e . O próximo resultado
Estruturas Algébricas 29
MÓDULO 1
mostra que isso não pode acontecer, e assim, quando encontrarmos num grupo um
elemento que “serve como e ” podemos estar certos de que não existe outro que tenha
a mesma propriedade.
Proposição 1.2.3. Num grupo o elemento denotado por e é único.
Prova. De fato, suponha que num grupo G temos dois elementos, digamos e e f ,
satisfazendo a condição (b) da definição de grupo, ou seja, e a a e a . . = = e
f a a f a . . = = para todo a em G . Em particular temos e f f . = pois e satisfaz (b),
e também e f e . = pois f satisfaz (b), assim e e f f = = . o que prova a unicidade.
Devido à unicidade acima, dado um gupo G o (único) elemento e que satisfaz a condição
e a a e a . . = = para todo a em G é chamado de elemento neutro de G ou de elemento
neutro da operação de G .
Da mesma forma, a condição (c) pede que para cada elemento a em G exista um
elemento 1
a
−
em G tal que 1 1
a a a a e . .
− −
= = , então podemos nos perguntar se pode
haver em algum grupo G algum elemento a tal que a b b a e . . = = e a c c a e . . = =
para distintos elementos b e c de G . O próximo resultado mostra que isso não acontece.
Proposição 1.2.4. Seja G um grupo e a um elemento de G . Existe um único elemento
b em G tal que a b b a e . . = = , onde e é o elemento neutro de G .
30 Estruturas Algébricas
Relações de equivalência e introdução a grupos
Prova. Sejam b e c elementos de G tais que a b b a e . . = = e a c c a e . . = = . Então
b b e b a c b a c e c c = = = = = . . ( . ) ( . ) . . , o que mostra a unicidade de b .
Assim, o elemento 1
a
−
cuja existência é garantida pela condição (c) da definição de
grupo é único e é chamado de inverso do elemento a do grupo G .
Proposição 1.2.5. Seja G um grupo, e a e b elementos de G . Temos que 1 1 ( ) a a
− −
=
e 1 1 1 ( . ) . a b b a − − −
= .
Prova. Como 1 1
a a a a e . .
− −
= = temos, de (c) na Definição 1.2.1 que a é um inverso (e
logo, o inverso) de 1
a
−
. Da mesma forma, de 1 1 1 1 1
( . ) . ( . ) ( . . ). ( . ) . a b b a a b b a a e a − − − − −
= = =
1
a a e .
−
= e 1 1 1 1 1
( . ).( . ) ( . . ). ( . ) . b a a b b a a b b e b e − − − − −
= = = temos do item (c) da
Definição 1.2.1 que 1 1 b a.
− − é um (e logo o) inverso de a b. .
Obervamos que de modo geral, dados a e b elementos de um grupo G , os elementos
a b. e b a. podem ser diferentes.
Exemplo 1.2.6. Vamos tomar para G o conjunto M das matrizes 2 2 × com entradas
reais e determinante diferente de zero, e a operação de G será o produto usual das
matrizes. Lembramos que se 11 1 2
21 22
a a
a
a a
=
é uma matriz 2 2 × seu determinante é o
número real 11 22 12 21 det( ) a a a a a = − . É claro que a matriz identidade 1 0
0 1
e
=
tem
determinante não nulo ( det( ) 1 e = ), logo e está em G e é fácil verificar que vale
Estruturas Algébricas 31
MÓDULO 1
e a a e a . . = = para todo a em G . Mais ainda, se det( ) a não é zero então tomando
1
a
−
como sendo a matriz dada por
22 12
1 11 22 12 21 11 22 12 21
21 11
11 22 12 21 11 22 12 21
a a
a a a a a a a a
a
a a
a a a a a a a a
−
−
− −
=
−
− −
é fácil
verificar que vale 1 1
a a a a e . .
− −
= = . Além disso, sabemos que o produto de matrizes é
associativo e portanto concluímos que G é de fato um grupo. Sejam agora
1 1
1 0
a
=
e
1 1
0 1
b
=
, temos que
1 2
.
1 1
a b
=
e
2 1
.
1 0
b a
=
, logo a b b a . . ≠ .
Definição 1.2.7. Um grupo G onde vale a b b a . . = para todos a e em G é dito grupo
comutativo ou abeliano.
No endereço http://www.ime.usp.br/~leo/imatica/historia/grupoabst.html você
encontra algumas considerações sobre o aparecimento da definição de grupo na história
da matemática. E no endereço http://www.bienasbm.ufba.br/M18.pdf se encontra um
arquivo com notas bem detalhadas sobre a história da álgebra abstrata.
III - LEITURA COMPLEMENTAR
O adjetivo abeliano é uma homenagem a Niels Henrik Abel (1802 – 1829), matemático
norueguês cujo trabalho contribuiu (juntamente com os de outros matemáticos) para o
aparecimento da teoria de grupos.da matemática.
32 Estruturas Algébricas
MÓDULO 2
Introdução à teoria de grupos
34 Estruturas Algébricas
Introdução a teoria de grupos
INTRODUÇÃO À TEORIA DE GRUPOS
Nesse módulo estudaremos subconjuntos de grupos que também são grupos (subgrupos)
e veremos que um subgrupo pode ser usado para definir uma relação de equivalência
sobre o grupo que o contém. Em um determinado caso especial, que estudaremos, pode
ser dada uma estrutura de grupo ao conjunto das classes de equivalência dessa relação.
2.1 Subgrupos
Definição 2.1.1 . Seja G um grupo e seja H um subconjunto não vazio de G . Dizemos
que H é um subgrupo de G (notação: H G< ) se H é um grupo com a mesma operação
de G .
Exemplos 2.1.2.
1) É fácil verificar que o conjunto dos números reais ℜ com a operação de soma usual é
um grupo (faça isso como exercício!). Temos que o conjunto dos inteiros Ζ é subconjunto
de ℜ e também é fácil verificar que Ζ é um grupo com essa operação, logo Ζ é subgrupo
de ℜ , e podemos escrever Ζ < ℜ.
2) Vimos no exemplo 1.2.2 (1) que o conjunto dos números reais diferentes de zero,
denotado por * ℜ , é um grupo com a operação de multiplicação usual. O conjunto dos
números inteiros não nulos, que denotaremos por Ζ \{0} é um subconjunto de * ℜ , no
entanto não é um subgrupo de * ℜ pois dado um inteiro não nulo a , diferente de 1 e −1
seu inverso multiplicativo 1
a
−
não é um inteiro (e logo não está em Ζ \{0} ). O próximo
resultado nos dá uma outra maneira, além de usar a definição acima, de verificar se um
Estruturas Algébricas 35
MÓDULO 2
subconjunto não vazio H de G é um subgrupo de G .
Proposição 2.1.3. Um subconjunto não vazio H de G é um subgrupo de G se e só se
valem as seguintes condições:
i) para todos elementos a e b de H temos que a b H . ∈ ;
ii) para todo a H ∈ temos que 1
a H − ∈ .
Prova. Se H G< então pela definição H é um grupo com a operação . ( a mesma
definida em G ) e portanto valem (i) e (ii). Suponha agora que H é um subconjunto não
vazio de G e que valem as condições (i) e (ii). Precisamos mostrar que H é um grupo
com a mesma operação de G , ou seja, precisamos mostrar que para H valem as
condições (a), (b) e (c) da Definição 1.2.1. Para verificar (a) temos que mostrar que para
todos a , b e c em H vale que ( . ) . . ( . ) a b c a b c = , mas isso é verdade pois como
H G ⊂ temos que a , b e c estão em G e como G é grupo sua operação é associativa,
ou seja, vale ( . ) . . ( . ) a b c a b c = . Para mostrar o item (b) observamos que H não é
vazio, logo existe a H ∈ , e do item (ii) de nossa hipótese temos então que 1
a H − ∈ .
Aplicando agora o item (i) aos elementos a e 1
a
−
de H temos que 1
a a H .
− ∈ , mas a
e 1
a
−
são elementos do grupo G e logo 1
a a e .
−
= , onde e é o elemento neutro de G .
Assim e também está em H e temos que a condição (b) da Definição 1.2.1 está satisfeita.
Finalmente o item (c) da Definição 1.2.1 é uma consequência direta do item (ii) de nossa
hipótese, e concluímos que H é um grupo com a mesma operação de G , ou seja, H é
36 Estruturas Algébricas
Introdução a teoria de grupos
um subgrupo de G .
Corolário 2.1.4. Seja G um grupo e H um subgrupo de G . Então o elemento neutro e
de G também está em H e é o elemento neutro de H .
Prova. Temos que H é não vazio e tomando a H ∈ da Proposição acima vem que 1
a H − ∈
e 1
a a e H .
−
= ∈ . Assim o elemento neutro de G está em H e como o elemento neutro
em um grupo é único temos que e é o elemento neutro de H .
Exemplos 2.1.5.
1) Se G é um grupo então é claro da definição de subgrupo que G é um subgrupo de
G .
Seja e o elemento neutro de G e seja H e = { }. Da Proposição acima temos que H
é um subgrupo de G pois e e e . = (e logo vale a condição (i)) e 1
e e
−
= (e logo vale a
condição (ii)). Os subgrupos { }e e G são chamados de subgrupos triviais de G .
2) Seja 5 { 5 | } Ζ = ∈Ζ m m o subconjunto dos números inteiros Ζ formado pelos
múltiplos de 5 . Sabemos que Ζ é um grupo com a operação de soma usual e 5Ζ é um
subgrupo de Ζ: de fato, a soma de dois múltiplos de 5 é um múltiplo de 5 (e logo vale
a condição (i)) e dado m5 5 ∈ Ζ temos que ( )5 5 − ∈ Ζ m (e logo vale a condição (ii)). De
modo geral, dado um número inteiro n ∈ Ζ temos que o conjunto dos múltiplos inteiros
de n , usualmente denotado por n Ζ , é um subgrupo de Ζ (isso se mostra de maneira
análoga à que fizemos acima para 5Ζ).
O segundo exemplo acima ilustra uma maneira comum de se produzir subgrupos de um
Estruturas Algébricas 37
MÓDULO 2
grupo G . A idéia é tomar um elemento a G ∈ e operá-lo com ele mesmo repetidamente,
fazer o mesmo com 1
a G − ∈ e ainda tomar o elemento neutro e G ∈ . Para formalizar
essa idéia vamos denotar a a. por 2
a , a a a . . por 3
a , etc.; vamos também denotar
1 1
a a.
− − por 2
a
−
,
1 1 1
a a a . .
− − − por 3
a
−
, etc.; e convencionamos que 0
a e = . Com essas
notações é fácil verificar que, dados quaisquer inteiros n e m , vale a propriedade
.
n m n m
a a a
+
= . Assim o subconjunto de G dado por
{ | } n
〈 〉 = ∈ ∈ Ζ a a G n
é um subgrupo de G : de fato, dados n
a e m
a em 〈 〉 a temos .
n m n m
a a a a
+
= ∈ 〈 〉 (o que
mostra o item (i) da Proposição 2.1.3, e dado n
a em 〈 〉 a é claro que n
a a
− ∈ 〈 〉 (o que
mostra o item (ii) da Proposição 2.1.3). Esse subgrupo é chamado o subgrupo gerado por
a G ∈ .
Definição 2.1.6. Seja G um grupo e seja H um subgrupo de G . Se H é da forma
H a = 〈 〉 para algum a G ∈ então dizemos que H é um subgrupo cíclico de G .
Exemplos 2.1.7.
1) Seja Ζ o grupo dos números inteiros com a operação de soma usual. Temos que o
elemento neutro de Ζ é o zero e o inverso de 5∈Ζ , para a operação de soma, é −5.
Assim para formar o subgrupo de Ζ gerado por 5 tomamos os inteiros 5 , 5 5 + , 5 5 5 + +
etc. , e também −5 , − + − 5 ( 5), − + − + − 5 ( 5) ( 5), etc. e ainda o zero. Nesse caso temos
〈 〉 = ∈ ∈ Ζ 5 { 5 | } m G m , e voltamos ao exemplo 2.1.5 (2) que havia originado a idéia de
subgrupos cíclicos.
38 Estruturas Algébricas
Introdução a teoria de grupos
2) Observe que Ζ é um grupo cíclico, pois é gerado pelo 1 (ou pelo −1). De fato Ζ
= 〈 〉 = ∈ ∈ Ζ 1 { 1 | } m G m e também vale Ζ = 〈 − 〉 = − ∈ ∈ Ζ 1 { ( 1) | } n G n .
3) Já vimos que o conjunto * ℜ dos números reais diferentes de zero forma um grupo
com a operação de produto usual de números reais. Nesse caso o elemento neutro de
* ℜ é o número 1. O subgrupo cíclico de * ℜ gerado por *
2∈ℜ consiste então das
potências do tipo 2
n
, com n =1, 2,3,... , das potências do tipo 1
2
2
n
−n
=
, com
n =1, 2,3,... e do número 1, ou seja, *
2 {2 | } m
〈 〉 = ∈ ℜ ∈ Ζ m .
Uma importante categoria de grupos é a formada pelos grupos finitos, ou seja, grupos
formados por um número finito de elementos. O próximo resultado lista importantes
propriedades de grupos finitos e seus subgrupos. No que se segue, denotaremos o
número de elementos de um conjunto finito T por | | T (lembrando que, em matemática,
quando dizemos “o número de elementos de um conjunto” queremos dizer o número de
elementos distintos do conjunto).
Proposição 2.1.8. Seja G um grupo finito.
1) Seja a G ∈ , seja T um subconjunto de G , seja a T o conjunto a T a t t T = ∈ { . | } e
seja T a o conjunto T a t a t T = ∈ { . | }. Então | | | | | | a T T T a = = (ou seja, T , a T e T a
têm o mesmo número de elementos).
2) Seja a G ∈ , temos que a G G G a = = .
3) Um subconjunto não vazio H de G é um subgrupo de G se e só se para todos
elementos a e b de H temos que a b H . ∈
Estruturas Algébricas 39
MÓDULO 2
Prova. 1) Seja n T = | |, então 1
{ ,..., } T t t = n
, onde 1
,...,
n
t t são distintos elementos de G ,
e 1
{ ,..., }n
a T at at = . É claro que o número de elementos distintos de a T é no máximo
n , e só seria menor se tivéssemos i j at at = com i j ≠ , mas isso não acontece pois se
i j at at = então multiplicando à esquerda ambos os lados da igualdade por 1
a
−
temos
1 1
. . i j a at a at − −
= , logo i j t t = e portanto i j = . Assim | | | | a T n T = = . De maneira
análoga se prova que | | | | T a n T = = (faça como exercício!).
2) Temos a G a g g G = ∈ { . | } e como G é um grupo é claro que a G G ⊂ . Por outro
lado, do item (1) acima temos que a G e G têm o mesmo número de elementos logo
vale a G G= . Da mesma forma concluímos que G a G= (faça como exercício!).
3) Se H é um subgrupo de G então é claro que para todos elementos a e b de H
temos a b H . ∈ . Para provar a recíproca, supomos que H seja um subconjunto de G
com a propriedade de que dados elementos a e b de H vale que a b H . ∈ . Então,
segundo a Proposição 2.1.3, para mostrar que H é subgrupo de G basta provar que
dado a em H temos que 1
a
−
também está em H . Seja então a em H e considere o
subconjunto a H ; pela hipótese temos que a H H ⊂ , e pelo item (1) temos que
| | | | a H H = , logo devemos ter a H H= , ou seja, { . | } a b b H H ∈ = . Assim, como
a H ∈ , para algum elemento b em H devemos ter a b a . = e multiplicando à esquerda
ambos os lados da igualdade por 1
a
−
temos b e = . Assim descobrimos que e H ∈ e
40 Estruturas Algébricas
Introdução a teoria de grupos
usando novamente que a H H= vemos que para algum c H ∈ devemos ter a c e . = ;
multiplicando novamente à esquerda ambos os lados dessa igualdade por 1
a
−
temos
1
c a
−
= , e assim chegamos a 1
a H − ∈ .
Exemplo 2.1.9. Vamos dar agora um exemplo que será muito útil no que se segue. Seja
A = {1, 2,3} e seja G o conjunto das bijeções de A em A . Temos, por exemplo, que a
função ϕ : A A → dada por ϕ(1) 2 = , ϕ(2) 1 = e ϕ(3) 3 = está em G (pois é uma bijeção),
bem como a função ψ : A A → dada por ψ (1) 2 = , ψ (2) 3 = e ψ (3) 1 = . Observe que a
cada bijeção corresponde uma permutação da sequência (1, 2,3) : por exemplo, ϕ
corresponde à permutação que passa de (1, 2,3) para (2,1,3) , enquanto ψ corresponde
à permutação que passa de (1, 2,3) para (2,3,1) ; e inversamente, a cada permutação
temos uma bijeção correspondente. Do estudo de permutações sabemos que existem 6
permutações possíveis para a sequência (1, 2,3) , logo existem 6 bijeções de A em A .
É claro que a composição de duas bijeções também é uma bijeção, então vamos compor
as bijeções ϕ e ψ para ver quais novas bijeções podemos produzir. Temos que ϕ ϕ = e
onde e aqui denota a bijeção, ou permutação, identidade (ou seja, e (1) 1 = , e (2) 2 = e
e (3) 3 = ). Por outro lado temos que ψ ψ corresponde à permutação que passa de
(1, 2,3) para (3,1, 2) e ψ ψ ψ =e . Para identificarmos as bijeções ϕ ψ e ψ ϕ
lembramos que quando trabalhamos com bijeções em teoria de grupos é usual seguir a
convenção usada para a composição de permutações, aplicando em primeiro lugar a f
Estruturas Algébricas 41
MÓDULO 2
unção escrita à esquerda e em seguida aplicando a função escrita à direita. Assim
( )(1) ( (1)) (2) 3 ϕ ψ ψ ϕ ψ = = = , e analogamente vemos que ( )(2) 2 ϕ ψ = e ( )(3) 1 ϕ ψ =
enquanto ( )(1) ( (1)) ψ ϕ ϕ ψ = = ϕ(2) 1 = , ( )(2) 3 ψ ϕ = e ( )(3) 2 ψ ϕ = . Como já
temos 6 bijeções estas são todos os elementos de G . Assim G e = { , , , , , } ϕ ψ ψ ψ ϕ ψ ψ ϕ
e resumimos no quadro abaixo os resultados encontrados até agora, representado as
bijeções como permutações (a partir de agora omitiremos o sinal de composição, e
também escrevemos 2 ψ para representar ψ ψ ,
3 ϕ para representar ϕ ϕ ϕ , etc.):
e (1, 2,3) (1, 2,3) →
ϕ (1, 2,3) (2,1,3) →
ψ (1, 2,3) (2,3,1) →
2 ψ (1, 2,3) (3,1, 2) →
ϕψ (1, 2,3) (3, 2,1) →
ψϕ (1, 2,3) (1,3, 2) →
Como a composição de bijeções é uma bijeção podemos tomar a composição como
operação no conjunto G . Além disso a composição é uma operação associativa, e é
claro que a bijeção e é elemento neutro para a operação de composição. Assim, para
mostrar que G é grupo, só falta mostrar que todo elemento de G tem um inverso com
relação à composição. Mas da tabela acima é fácil identificar os inversos: por exemplo, o
inverso do elemento ψ tem que ser uma bijeção 1 ψ
−
tal que 1 ψ ψ e
−
= , logo temos que
ter 1 1 ψ ψ ψ ( (1)) (2) 1 − −
= = , e analogamente 1 ψ (3) 2 −
= e 1 ψ (1) 3 −
= . Escrevendo 1 ψ
−
como permutação de (1, 2,3) temos que 1 ψ
−
é a permutação (1, 2,3) (3,1,2) → , ou seja
1 2 ψ ψ
−
= . Procedendo da mesma forma temos que 1 ϕ ϕ
−
= ,
2 1 ( ) ψ ψ
−
= ,
1
( ) ϕψ ϕψ
−
=
42 Estruturas Algébricas
Introdução a teoria de grupos
e 1
( ) ψϕ ψϕ
−
= . É claro que sabendo que 1 2 ψ ψ
−
= e 1 ϕ ϕ
−
= podemos usar a Proposição
1.2.5 e deduzir que 1 1 1 2 ( ) ϕψ ψ ϕ ψ ϕ
− − −
= = e avaliando 2 ψ ϕ em 1, 2 e 3 vemos que
2 ψ ϕ ϕψ = . Faça isso como exercício e mostre também que 1 1 1 2 ( ) ψϕ ϕ ψ ϕψ ψϕ
− − −
= = = .
Para identificar alguns subgrupos de G podemos usar a Proposição 2.1.8 (3), já que G
é grupo finito. Observamos no início que 2 ϕ = e logo H e = { , } ϕ é um subgrupo de
G , pois 2
e e H = ∈ , e e H ϕ ϕ ϕ = = ∈ e 2 ϕ = ∈e H ; observe que H é um grupo
cíclico. De maneira análoga temos que 2 N e = { , , } ψ ψ também é um subgrupo de G e
também é cíclico. Outros subgrupos são I e = { , } ϕψ e J e = { , } ψϕ (use a Proposição
2.1.8 (3) para verificar isso!) e também são cíclicos. Observamos finalmente que esse
exemplo
pode ser generalizado: pode-se mostrar que o conjunto das bijeções de {1, 2,..., }n (ou
de qualquer conjunto com n elementos), juntamente com a operação de composição,
forma um grupo que é usualmente denotado por n
S (e tem n! elementos – faça isso
como exercício!). Assim o grupo descrito acima é o 3
S e é assim que vamos nos referir
a ele de agora em diante.
2.2 Classes laterais
Veremos agora uma importante interação entre relação de equivalência e subgrupos. A
partir de agora vamos utilizar a notação habitual em teoria de grupo e escrever a b , ao
invés de a b. , para indicar a operação entre elementos a e b de um grupo G (embora
eventualmente ainda usemos o ponto para indicar a operação do grupo), também
Estruturas Algébricas 43
MÓDULO 2
eventualmente nos referiremos a essa operação como “produto” embora saibamos que
em cada exemplo ela tem uma definição.
Seja G um grupo e H um subgrupo de G . Temos que H define uma relação de
equivalência R sobre G da seguinte maneira (lembrando que R deve ser um
subconjunto de G G× que satisfaz as condições da Definição 1.1.6): tomamos R como
sendo formado pelos pares ordenados ( , ) a b G G ∈ × tais que 1
a b H − ∈ , ou seja
1 R a b G G a b H { ( , ) | } −
= ∈ × ∈ .
Vejamos que R é de fato uma relação de equivalência. Inicialmente observamos que
para todo a G∈ vale que ( , ) a a R ∈ pois 1
a a e H −
= ∈ para todo a G∈ . Isso mostra
que vale o item (i) da Definição 1.1.6. Suponha agora que ( , ) a b R ∈ , então vale que
1
a b H − ∈ . Como H é um subgrupo temos que 1 1 ( ) a b H − − ∈ , e da Proposição 1.2.5 vem
que 1 1 1 1 1 ( ) ( ) a b b a − − − − −
= =
1
b a −
. Assim 1
b a H − ∈ e da definição de R temos que
( , ) b a R ∈ . Isso mostra que vale o item (ii) da Definição 1.1.6. Finalmente suponha que
( , ) a b R ∈ e ( , ) b c R ∈ . Então, pela definição de R devemos ter 1
a b H − ∈ e 1
b c H − ∈ , e
como H é um subgrupo vale que 1 1 ( ).( ) a b b c H − − ∈ , ou seja, 1
a c H − ∈ . Agora, pela
definição de R temos que ( , ) a c R ∈ . Isso mostra o item (iii) da Definição 1.1.6 e completa
a prova de que R é de fato uma relação de equivalência. Observe que na definição de
R poderíamos ter escrito 1
b a H − ∈ ao invés de 1
a b H − ∈ porque como H é subgrupo
temos 1
b a H − ∈ se e só se 1
a b H − ∈ .
Na literatura sobre grupos não é usual proceder como fizemos acima e denotar por R a
44 Estruturas Algébricas
Introdução a teoria de grupos
relação de equivalência definida pela escolha dos pares ( , ) a b da maneira indicada
acima. A notação e a terminologia usual é a seguinte: dado H um subgrupo de G diz-se
que dois elementos a e b de G são congruentes módulo H se 1
a b H − ∈ , e se denota
esse fato escrevendo a b H ≡ mod .
Lembramos que a classe de equivalência de um elemento a G∈ segundo a relação R é
o conjunto dos elementos b G∈ tais que ( , ) a b R ∈ , ou seja, usando a terminologia
indicada acima, a classe de a G∈ é formada pelos elementos b G∈ tais que a e b de
G são congruentes módulo H . É claro que, independentemente da descrição adotada,
temos que a classe de a G∈ é o conjunto 1
{ | } b G a b H − ∈ ∈ . Temos então o seguinte
importante resultado.
Lema 2.2.1: A classe de equivalência de a G∈ segundo a relação definida acima é o
conjunto { | } a h G h H ∈ ∈ .
Prova. De fato, dado b G∈ tal que 1
a b H − ∈ temos que 1
a b h −
= para algum h H ∈ e
logo b a h = ; por outro lado se b a h = , com h H ∈ então 1
a b h H −
= ∈ e logo b está
na classe de equivalência de a G∈ . Isso mostra que 1
{ | } { | } b G a b H a h G h H − ∈ ∈ = ∈ ∈
Devido ao lema acima a classe de equivalência de a G∈ , segundo a relação definida
acima, é denotada por a H , e um tal conjunto é chamado de classe lateral à esquerda,
de H em G . Essa nomenclatura “à esquerda” vem do fato de que podemos definir uma
relação de equivalência similar, cujas classes de equivalência são conjuntos da forma
Estruturas Algébricas 45
MÓDULO 2
H a . De fato, seja S a relação sobre G definida por
1
S a b G G b a H { ( , ) | } −
= ∈ × ∈ .
Não é difícil verificar, de maneira similar ao que foi feito acima, que S é uma relação de
equivalência (faça isso como exercício!). Também como acima temos um lema
descrevendo as classes de equivalência de S .
Lema 2.2.2: A classe de equivalência de a G∈ segundo a relação S definida acima é o
conjunto { | } h a G h H ∈ ∈ .
Prova. De fato, dado b G∈ tal que 1
b a H − ∈ temos que 1
b a h −
= para algum h H ∈ e
logo b h a = ; por outro lado se b h a = , com h H ∈ então 1
b a h H −
= ∈ e logo b está
na classe de equivalência de a G∈ . Isso mostra que 1
{ | } { | } b G b a H h a G h H − ∈ ∈ = ∈ ∈
De maneira análoga ao que fizemos anteriormente, denotamos o conjunto
{ | } h a G h H ∈ ∈ por H a , para todo a G∈ , e essas classes laterais são chamadas de
classes laterais à direita, de H em G .
Quando a operação de G é denotada por + (como por exemplo, no grupo dos números
reais ou dos inteiros – veja o Exemplo 2.1.2 (1)) e H é um subgrupo de G então
denotamos a classe lateral à esquerda de um elemento a G∈ como a H+ e a classe
lateral à direita como H a + .
É importante lembrar sempre que as classes laterais à esquerda (bem como aquelas à
direita) são classes de equivalência de uma relação de equivalência sobre G , e portanto
46 Estruturas Algébricas
Introdução a teoria de grupos
podemos utilizar resultados que obtivemos no estudo dessas relações. Por exemplo, da
Proposição 1.1.11 podemos concluir que G é a união das classes a H , onde a percorre
G , e da mesma forma
a G
G H a
∈
= , lembrando que duas classes H a e H b ou
coincidem (caso ( , ) a b S ∈ ) ou são disjuntas (caso ( , ) a b S ∉ ) – também temos que
classes a H e b H ou coincidem (caso ( , ) a b R ∈ ) ou são disjuntas (caso ( , ) a b R ∉ ).
Essas afirmações são consequência das proposições 1.1.12 e 1.1.13.
É claro que se G for um grupo abeliano vale que a H H a = para todo a G∈ , pois como
G é abeliano em particular temos a h h a = para todo h em H . No entanto, pode
acontecer que a H H a = mesmo que aconteça a h h a ≠ para algum h em H , pois
a H H a = é uma igualdade de conjuntos. Isso vai ficar claro no exemplo a seguir.
Exemplo 2.2.3. Retomamos o exemplo 2.1.9 onde apresentamos o grupo 3
S . Vimos ali
que H e = { , } ϕ é um subgrupo de 3
S , vamos calcular as classes de equivalência à
esquerda de H – ou seja, vamos calcular os conjuntos 3
a H a c S c H = ∈ ∈ { | } para
todo a de 3
S . Temos (usando que 2 ϕ = e,
2 ψ ϕ ϕψ = e 2 ϕψ ψϕ = , que são relações
vistas no exemplo 2.1.9) que e H = { . , . } e e e ϕ = { , } e ϕ , ϕ ϕ ϕ ϕ ϕ H e e = = { . , . } { , },
ψ ψ ψ ϕ ψ ψϕ H e = { . , . } { , } = ,
2 ψ H =
2 2 { . , . } ψ ψ ϕ e =
2 2 { , } ψ ψ ϕ =
2
{ , } ψ ϕψ ,
ϕψ H = { . , . } ϕψ ϕψ ϕ e = { , . } ϕψ ϕψϕ =
2
{ , . } ϕψ ϕ ϕψ =
2 2 { , } ϕψ ϕ ψ =
2
{ , } ϕψ ψ ,
ψϕ H = { . , . } ψ ϕ ψ ϕ ϕ e =
2
{ , } ψ ϕ ψϕ = { , } ψ ϕ ψ . Assim, temos 3 classes de equivalência
à esquerda distintas, a saber, e H H e = = ϕ ϕ { , }, ψ ψϕ H H = = { , } ψ ψϕ ,
2 ψ H =
ϕψH =
2
{ , } ψ ϕψ . Vamos calcular agora as classes laterais à direita de H , ou seja, vamos
Estruturas Algébricas 47
MÓDULO 2
calcular os conjuntos 3 Ha h a S h H = ∈ ∈ { | } para todo a de 3
S . Temos como acima
que He H e = = ϕ ϕ { , }, e ainda H e ψ ψ ϕψ ψ ϕψ = = { , } { , },
2 2 2 H e ψ ψ ϕψ = { , } =
2
{ , } ψ ψϕ , H e ϕψ ϕψ ϕ ϕψ = { . , . } = { , } ϕψ ψ e H e ψϕ ψ ϕ ϕψϕ = { . , . } = { , . } ψ ϕ ϕψ ϕ =
2
{ , . } ψ ϕ ψ ϕ ϕ =
2 2 { , } ψ ϕ ψ ϕ =
2
{ , } ψ ϕ ψ . Temos novamente três classes de equivalência,
a saber He = H e ϕ ϕ = { , } , H H ψ ϕψ ψ ϕψ = = { , } e 2 2 H H ψ ψ ϕ ψ ψ ϕ = = { , }.
Comparando as classes à esquerda e à direita vemos que He eH = e H H ϕ ϕ= , mas
H H ψ ψ≠ ,
2 2 H H ψ ψ≠ , etc.. Vamos agora calcular as classes à esquerda e à direita de
outro subgrupo de 3
S , a saber, 2 N e = { , , } ψ ψ . É fácil verificar que
2 2 e N N N e = = = ψ ψ ψ ψ { , , } (usando que 3 ψ =e , conforme visto no exemplo 2.1.9) e
ainda 2 ϕ ϕ ϕψ ϕψ N e = { , , } = { , , } ϕ ϕψ ψ ϕ , ϕψ N =
2
{ , , } ϕψ ϕψ ψ ϕψψ e =
2 3 { , , } ϕψ ϕψ ϕψ = { , , } ϕψ ψ ϕ ϕ e ψ ϕ N =
2
{ , , } ψϕ ψ ϕψ ψ ϕψ e =
2 2 2 { , , } ψϕ ϕψ ψ ϕψ ψ =
3 3 { , , } ψϕ ϕψ ϕψ ψ = { , , } ψϕ ϕ ϕψ . Temos então duas classes
laterais à esquerda, de N em 3
S , que são 2 2 e N N N e = = = ψ ψ ψ ψ { , , } e ϕ ϕψ N N = =
ψ ϕ ϕ ϕ ψ ψ ϕ N = { , , }. De forma análoga, pode-se mostrar (faça como exercício!) que
2 2 N e N N e = = = ψ ψ ψ ψ { , , } e N N N ϕ ϕψ ψ ϕ ϕ ϕ ψ ψ ϕ = = = { , , }. Assim, nesse
caso, temos que a N N a = para todo a em 3
S . Tomando a = ϕ observamos que não
vale ϕ ϕ h h = para todo h em N (por exemplo, ϕψ ψ ϕ ≠ ), no entanto o conjunto dos
elementos 2
{ , , } ϕ ϕψ ϕψ e é o mesmo dos elementos 2
{ , , } eϕ ψϕ ψ ϕ (pois ambos são
iguais a { , , } ϕ ϕ ψ ψ ϕ ).
48 Estruturas Algébricas
Introdução a teoria de grupos
O exemplo acima ilustra vários conceitos que já vimos sobre classes de equivalência. Por
exemplo, vimos que ϕ ϕ ϕ ψ ψ ϕ N = { , , }e que as classes à esquerda de ϕψ e de ψ ϕ
(que juntamente com ϕ formam o conjunto { , , } ϕ ϕ ψ ψ ϕ ) coincidem com a classe à
esquerda de ϕ (ou seja, ϕ ϕψ ψ ϕ N N N = = ). Isso não é por acaso, claro, é simplesmente
uma ilustração da Proposição 1.1.12, pois como ϕψ ϕ ∈ N vem dessa proposição que
ϕ ϕψ N N = . Confira essas “coincidências” para as outras classes no exemplo acima.
Além disso vimos como uma relação de equivalência particiona 3
S como uma união de
conjuntos disjuntos (um fato observado logo após a prova da Proposião 1.1.13). Por
exemplo, as classes laterais à esquerda, de H em 3
S , particionam 3
S da forma
2
3
S e = { , } { , } { , } ϕ ψ ψ ϕ ψ ϕψ , as classes laterais à direita de H em 3
S particionam
3
S da forma 2
3
S e = { , } { , } { , } ϕ ψ ϕψ ψ ψ ϕ enquanto as classes laterais à esquerda
(ou à direita) de N em 3
S particionam 3
S da forma 2
3
S e = { , , } { , , } ψ ψ ϕ ϕψ ψ ϕ .
Exemplo 2.2.4. . Vimos no Exemplo 2.1.5 (2) que 5 { 5 | } Ζ = ∈Ζ m m é um subgrupo do
grupo dos números inteiros Ζ. Como Ζ é um grupo abeliano temos que as classes
laterais à esquerda e à direita de 5Ζ em Ζ coincidem, ou seja a Z a + Ζ = + 5 5 para
todo a∈ Ζ . Do Lema 2.2.1 sabemos que a classe de um elemento a∈ Ζ é
a a m m + Ζ = + ∈ Ζ 5 { 5 | }. Assim temos que
0 5 + Ζ = {0 5 | } + ∈ Ζ = m m {..., 15, 10, 5,0,5,10,15,...} − − − ; 1 5 + Ζ =
Estruturas Algébricas 49
MÓDULO 2
{1 5 | } + ∈ Ζ = m m {..., 14, 9, 4,1,6,11,16,...} − − − ; 2 5 + Ζ = {2 5 | } + ∈ Ζ = m m
{..., 13, 8, 3, 2,7,12,17,...} − − − ; 3 5 + Ζ = {3 5 | } + ∈ Ζ = m m
{..., 12, 7, 2,3,8,13,18,...} − − − ; 4 5 + Ζ = {4 5 | } + ∈ Ζ = m m
{..., 11, 6, 1, 4,9,14,19,...} − − − ;
e essas são todas as classes laterais à esquerda de 5Ζ em Ζ. De fato, vemos que essas
classes laterais são exatamente as classes de equivalência que aparecem no Exemplo
1.1.14 (c), e ali vemos que o número de classes de equivalência distintas é cinco. Essa
coincidência entre classes laterais à esquerda 5Ζ em Ζ e as classes de equivalência do
Exemplo 1.1.14 (c) não é um acaso: se olharmos, no início da seção 2.2, a definição da
relação de equivalência sobre Ζ definida pelo subgrupo 5Ζ veremos que um par
ordenado ( , ) a b ∈ Ζ× Ζ está na relação se e só se b a − ∈ Ζ5 , ou seja, se e só se b a − é
um múltiplo de 5 , que é justamente a relação que aparece no Exemplo 1.1.14 (c).
Um outro fato que podemos observar do exemplo acima é que as classes laterais (à
esquerda ou à direita) de um subgrupo têm exatamente o mesmo número de elementos
do subgrupo. Isso é um fato geral, que provamos a seguir.
Lema 2.2.5. Seja G um grupo finito, seja H um subgrupo de G e seja a G∈ . Então
tanto a H quanto H a têm o mesmo número de elementos de H .
Prova. Temos que aH a h G h H = ∈ ∈ { | }, logo o número de elementos em a H é menor
do que o número de elementos de H se e só se a c ad = para distintos elementos c e d
de H , no entanto se a c ad = então multiplicando a igualdade à esquerda por 1
a
−
temos
50 Estruturas Algébricas
Introdução a teoria de grupos
c d = . Assim não acontece a c ad = para distintos elementos c e d de H e portanto H
e a H têm o mesmo número de elementos. De maneira similar (faça como exercício!)
mostra-se que H e H a têm o mesmo número de elementos.
Como consequência desse lema e do fato das diferentes classes laterais darem uma
partição temos o seguinte importante resultado, conhecido como teorema de Lagrange
e assim denominado em homenagem ao matemático francês Joseph-Louis Lagrange
(1736-1813) que o provou pela primeira vez. (Lembramos que | | A denota o número de
elementos de um conjunto A.)
Teorema (Lagrange) 2.2.6. Seja G um grupo finito e seja H um subgrupo de G . Então
| | G é um múltiplo de | | H .
Prova. Sabemos que as classes laterais à esquerda, de H em G , formam uma partição
de G , ou seja, podemos escrever G a H a H = 1 n
, onde 1
,...,
n
a a G∈ e i j a H a H
é o conjunto vazio se i j ≠ . Do lema acima temos que | | | | i
a H H= para todo i n =1, ... ,
logo | | | | G n H = , e portanto | | G é um múltiplo de | | H .
Exemplo 2.2.7. Observe que o grupo 3
S , apresentado no Exemplo 2.1.9 e que tem 6
elementos, segundo o teorema acima só admite subgrupos de ordem 1, 2, 3 ou 6. É claro
que 3
S é um subgrupo de si mesmo e tem 6 elementos, por outro lado o conjunto { }e
também é um subgrupo de 3
S e tem um elemento. Temos ainda que os subgrupos H ,
I e J têm dois elementos cada enquanto que N tem três elementos. Isso mostra que
Estruturas Algébricas 51
MÓDULO 2
todas as possibilidades de ordem para semigrupos são realizadas efetivamente, mas
essa não é a regra geral em teoria de grupos. De fato existem inúmeros exemplos de
grupos que não têm subgrupos com cardinalidade igual a determinado divisor de | | G .
Dado um grupo G , um subgrupo H de G e um elemento a G∈ pode acontecer que
a H seja diferente de H a (veja, por exemplo, no exemplo 2.2.3 que H H ψ ψ≠ ), e
pode acontecer que dado um subgrupo N seja verdade que N a a N = para todo a G∈
(veja, ainda no exemplo 2.2.3 que N a a N = para todo 3
a S ∈ ). Esse último fato é
bastante importante em teoria de grupos e leva à seguinte definição.
Definição 2.2.8. Seja G um grupo e seja H um subgrupo de G . Dizemos que H é
subgrupo normal de G se a H H a = para todo a G∈ .
Se H é subgrupo normal de G então denotamos esse fato escrevendo H G . Observe
que da definição das classes laterais a H e H a temos que H é subgrupo normal de G
se e só se temos a igualdade { | } { | } a h G h H h a G h H ∈ ∈ = ∈ ∈ para todo a G∈ .
Dado um subgrupo H de G para todo elemento a G∈ definimos o conjunto
1 1 a H a a h a G h H { | } − − = ∈ ∈ . Temos então o seguinte resultado.
Teorema 2.2.9. Seja G um grupo e seja H um subgrupo de G . Então H é subgrupo
normal de G se e só se 1
a H a H −
= para todo a G∈ .
Prova. Suponha que H é subgrupo normal de G e seja a G∈ . Da definição acima temos
que { | } { | } a h G h H h a G h H ∈ ∈ = ∈ ∈ . Essa igualdade de conjuntos não significa que
a h h a = para todo h H ∈ (como vimos no final do exemplo 2.2.3), ela significa que
52 Estruturas Algébricas
Introdução a teoria de grupos
para cada 1
h H ∈ existe 2
h H ∈ tal que 1 2 a h h a = (e logo
{ | } { | } a h G h H h a G h H ∈ ∈ ⊂ ∈ ∈ ) bem como dado 3
h H ∈ existe 4
h H ∈ tal que
3 4 h a a h = (e logo { | } { | } h a G h H a h G h H ∈ ∈ ⊂ ∈ ∈ ). Assim como para cada 1
h H ∈
existe 2
h H ∈ tal que 1 2 a h h a = temos, multiplicando à direita por 1
a
−
que
1
1 2 a h a h H −
= ∈ para cada 1
h H ∈ , ou seja, 1
a H a H − ⊂ . Por outro lado, dado 3
h H ∈
temos que existe 4
h H ∈ tal que 3 4 h a a h = e novamente multiplicando à direita por
1
a
−
obtemos 1 1
3 4 h a h a a H a−
= ∈ logo 1 H a H a− ⊂ o que completa a prova de que
1
a H a H −
= para todo a G∈ .
Suponha agora que 1
a H a H −
= para todo a G∈ . Essa igualdade de conjuntos significa
que para cada 1
h H ∈ existe 2
h H ∈ tal que 1
1 2 a h a h −
= . Vamos mostrar que a H H a =
Dado um elemento 1
a h a H ∈ temos que 1
1 2 a h a h −
= para algum 2
h H ∈ e
multiplicando à direita por a temos que 1 2 a h h a H a = ∈ logo a H H a ⊂ . De maneira
análoga, considere um elemento 3
h a H a ∈ . Observe que como 1
a H a H −
= para
todo a G∈ , e lembrando que 1 1 ( ) a a
− −
= (veja a Proposição 1.2.5), temos que também
vale que 1
a H a H −
= para todo a G∈ . Assim dado 1 1
3
a h a a H a − − ∈ existe 4
h H ∈ tal
que 1
3 4 a h a h −
= e logo 3 4 h a a h a H = ∈ , ou seja, H a a H ⊂ , o que completa a prova
de que a H H a = e portanto o subgrupo H é normal.
O próximo resultado mostra que não precisamos mostrar que 1
a H a H −
= para todo
a G∈ para mostrar que um subgrupo é normal, basta mostrar que 1
a H a H − ⊂ para
Estruturas Algébricas 53
MÓDULO 2
todo a G∈ .
Proposição 2.2.10. Seja G um grupo e seja H um subgrupo de G . Então 1
a H a H −
=
para todo a G∈ se e só se 1
a H a H − ⊂ para todo a G∈ .
Prova. É claro que se 1
a H a H −
= então vale 1
a H a H − ⊂ , para todo a G∈ . Suponha
então que vale 1
a H a H − ⊂ , para todo a G∈ , e vamos mostrar que 1 H a H a− ⊂ .
Como na prova do teorema acima temos que se vale 1
a H a H − ⊂ , para todo a G∈ ,
então vale 1
a H a H − ⊂ para todo a G∈ . Assim, dado 1
h H ∈ e a G∈ existe 2
h H ∈ tal
que 1
1 2 a h a h −
= , logo multiplicando à esquerda por a e à direita por 1
a
−
temos
1 1
1 2 h a h a a H a − − = ∈ o que mostra que 1 H a H a− ⊂ para todo a G∈ .
A importância de H ser um subgrupo normal está no fato de que, nesse caso, se pode
definir um produto no conjunto das classes laterais à esquerda (ou equivalentemente, à
direita) . De fato, seja G um grupo e seja H um subgrupo normal de G . Observe que,
dadas classes a H e b H , se definimos o produto a H bH. da maneira “óbvia”, ou seja,
1 2 1 2 a H bH ah bh h h H . { | , } = ∈ temos que como H b b H = dado 1
h H ∈ existe 3
h H ∈
tal que 1 3 h b b h = logo 1 2 3 2 a h b h a b h h = ∈ab H (pois H é subgrupo e de 2
h H ∈ e
3
h H ∈ temos 3 2 h h H ∈ ), ou seja, a H bH ab H . ⊂ ; por outro lado dado a b h a b H ∈
temos que a b h a e b h a H b H = ∈ . pois H é um subgrupo e o elemento neutro e de
G está também em H , assim a H bH ab H . = . Vamos mostrar que com essa operação
o conjunto das classes laterais à esquerda (que, lembramos, é o mesmo das classes
54 Estruturas Algébricas
Introdução a teoria de grupos
laterais à direita, pois H é um subgrupo normal de G ) forma um grupo. Vejamos que a
operação é associativa: dadas classes laterais a H , b H e c H temos que ( . ). a H b H c H =
( ). a b H c H = ( ) a bc H e a H b H c H .( . ) = a H b c H .( )= ( ) a bc H ,assim
( . ). a H b H c H = a H b H c H .( . ) e o produto de classes, como definido, é associativo.
Vejamos agora que e H é o elemento neutro desse produto (onde e é o elemento
neutro de G ): de fato, para toda classe lateral a H temos e H a H e a H a H . = = .
Finalmente, dada uma classe lateral a H temos que 1
a H−
também é uma classe lateral
e 1
a H a H e H .
−
= e portanto 1
a H−
é o inverso da classe a H . Antes de darmos um
exemplo, observamos que se a operação do grupo G é denotada por + e H é um
subgrupo normal de G então denotamos a operação entre as classes laterais de H
também por + , escrevendo ( ) ( ) ( ) a H b H a b H + + + = + (veja também a observação
feita no segundo parágrafo após o Lema 2.2.2).
Exemplo 2.2.11. Vimos no Exemplo 2.1.5 (2) que 5 { 5 | } Ζ = ∈Ζ m m é um subgrupo do
grupo dos números inteiros Ζ e no Exemplo 2.2.4 vimos que o conjunto das distintas
classes laterais de 5Ζ em Ζ, que denotaremos por Ζ Ζ / 5 , é igual a {0 5 + Ζ , 1 5 + Ζ ,
2 5 + Ζ , 3 5 + Ζ, 4 5 } + Ζ . Do que foi feito acima temos que Ζ Ζ / 5 é um grupo com a
operação dada por ( 5 ) a + Ζ + + Ζ = ( 5 ) b ( ) 5 a b + + Ζ . Assim, por exemplo, temos
que (1 5 ) + Ζ + + Ζ = (2 5 ) 3 5 + Ζ e (2 5 ) + Ζ + + Ζ = (2 5 ) 4 5 + Ζ . Observe no entanto
que (3 5 ) + Ζ + + Ζ = (3 5 ) 6 5 + Ζ , mas 6 5 + Ζ não aparece na lista de elementos de
Estruturas Algébricas 55
MÓDULO 2
Ζ Ζ / 5 ! Acontece que como 6 1 5 − = é múltiplo de 5 , a classe de 6 é a mesma classe de
1 (veja a figura que ilustra o Exemplo 1.1.14 (c) ) e portanto 6 5 1 5 + Ζ = + Ζ . Abaixo
colocamos a tabela com os resultados das possíveis somas de classes em Ζ Ζ / 5 .
+ 0 5 + Ζ 1 5 + Ζ 2 5 + Ζ 3 5 + Ζ 4 5 + Ζ
0 5 + Ζ 0 5 + Ζ 1 5 + Ζ 2 5 + Ζ 3 5 + Ζ 4 5 + Ζ
1 5 + Ζ 1 5 + Ζ 2 5 + Ζ 3 5 + Ζ 4 5 + Ζ 0 5 + Ζ
2 5 + Ζ 2 5 + Ζ 3 5 + Ζ 4 5 + Ζ 0 5 + Ζ 1 5 + Ζ
3 5 + Ζ 3 5 + Ζ 4 5 + Ζ 0 5 + Ζ 1 5 + Ζ 2 5 + Ζ
4 5 + Ζ 4 5 + Ζ 0 5 + Ζ 1 5 + Ζ 2 5 + Ζ 3 5 + Ζ
Obesrve que, como já visto acima, temos (4 5 ) (4 5 ) 8 5 3 5 + Ζ + + Ζ = + Ζ = + Ζ
pois8 3 5 − = é múltiplo de 5 .
Esse exemplo foi interessante porque nos chamou a atenção para o fato de que uma
classe lateral pode ter várias “notações”, ou como se diz na literatura, pode “admitir
vários representantes” (é usual dizer que a é um representante da classe lateral a H ).
Já poderíamos ter pensando nisso, pois classes laterais são classes de equivalência e
sabemos que uma mesma classe de equivalência pode ser representada usando
diferentes elementos (como, por exemplo, feito no Exemplo 1.1.14 (c) e (d)). Esse fato
nos leva a refletir sobre a definição de soma de classes. No exemplo acima temos que
6 5 1 5 + Ζ = + Ζ e 8 5 3 5 + Ζ = + Ζ . Da definição de soma de classes temos que
(1 5 ) (3 5 ) 4 5 + Ζ + + Ζ = + Ζ , mas (6 5 ) (8 5 ) 14 5 + Ζ + + Ζ = + Ζ . Como as classes que estão
sendo somadas são as mesmas, só não teremos uma contradição se 14 5 4 5 + Ζ = + Ζ, e de
fato essa igualdade se verifica porque 14 4 10 − = é um múltiplo de 5 .
56 Estruturas Algébricas
Introdução a teoria de grupos
Mas, e na teoria geral? Será que o resultado do produto de classes laterais (de subgrupos
normais, claro) independe dos representantes usados para denotar essas classes?
Ou seja, dado um grupo G e H um subgrupo normal de G , se a H c H = e b H d H =
é verdade que ab H cd H = ? A resposta é: Sim! Mas isso tem que ser provado, e é o que
fazemos agora. Como a H c H = temos que 1
c a H − ∈ , e como b H d H = temos
1
d b H − ∈ . Sejam 1
1
h c a −
= e 1
2
h d b −
= , temos então que 1
a c h = e 2
b d h = logo
1 2 a b c h d h = , onde 1
h e 2
h são elementos de H . Como H é subgrupo normal de G
temos que d H H d = , ou seja, existe 3
h em H tal que 1 3 h d d h = . Assim 1 2 3 2 c h d h c d h h =
e temos 3 2 a b c d h h = (observe que 3 2 h h H ∈ pois H é subgrupo) logo
1
3 2 ( ) c d a b h h H −
= ∈ e portanto ab H cd H = .
Resumimos o que fizemos acima no seguinte resultado.
Teorema 2.2.12. Seja G um grupo e seja H um subgrupo normal de G . O conjunto das
classes laterais à esquerda de H em G forma um grupo com a operação definida por
a H bH ab H . = . Essa operação está bem definida, no sentido de que não depende dos
representantes utilizados para simbolizar as classes. Mais especificamente, se a H c H =
e b H d H = então vale a H bH c H d H . . = . Como H é um subgrupo normal de G o
conjunto das classes laterais à direita coincide com o das classes laterais à esquerda e
também forma um grupo, sendo que nesse caso a operação é dada por Ha Hb H ab . =
Essa operação também é bem definida, e se H a H c = e H b H d = então
H a H b H c H d . . = .
Estruturas Algébricas 57
MÓDULO 2
O grupo das classes laterais de H em G é normalmente denotado por G H/ e é
chamado de grupo quociente de G por H .
Observe que o grupo das classes laterais, mencionado no Teorema acima, trata de
objetos de uma outra natureza, distinta do grupo original. Podemos “ver” isso na figura
do Exemplo 1.1.14 (c). Ali, podemos imaginar que o conjunto dos inteiros foi divido em
cinco pedaços (como uma pizza, talvez!). O grupo quociente Ζ Ζ / 5 , que aparece no
Exemplo 2.2.11, tem como elementos esses “pedaços”, esses são os cinco elementos de
Ζ Ζ / 5 , já que cada “pedaço” contém exatamente os elementos de uma classe lateral. E
ao escrevermos (1 5 ) + Ζ + + Ζ = (2 5 ) 3 5 + Ζ estamos dizendo que o pedaço que
contém o 1 somado ao pedaço que contém o 2 tem como resultado o pedaço que contém
o 3. Se escrevemos 1 5 6 5 + Ζ = + Ζ isso pode ser interpretado como a afimação de que
o pedaço que contém o 1 é o mesmo que contém 6, e escrevendo 2 5 8 5 + Ζ = − + Ζ
vemos que o pedaço que contém 2 é o mesmo que contém -8. Temos que (6 5 ) + Ζ
+ − + Ζ = ( 8 5 ) − + Ζ 2 5 e esse deve ser o mesmo resultado da soma (1 5 ) + Ζ + (2 5 ) + Ζ
e de fato vemos que -2 e 3 estão no mesmo pedaço. Isso mostra mais uma vez que a
operação ( 5 ) a + Ζ + + Ζ = ( 5 ) b ( ) 5 a b + + Ζ está bem definida como “soma de
pedaços”, mesmo que para realizá-la tenhamos que utilizar os valores de determinados
inteiros que estão em cada pedaço. É isso que significa a boa definição da operação
entre classes laterais de um subgrupo normal.
O exemplo 2.2.11 pode ser generalizado da seguinte maneira. Seja n um número inteiro
positivo e seja n m n m Ζ = ∈ Ζ { | } o subconjunto dos múltiplos de n . Como observado
58 Estruturas Algébricas
Introdução a teoria de grupos
no Exemplo 2.1.5 (2) temos que n Ζ é um subgrupo de Ζ, e como Ζ é um grupo abeliano
temos que n Ζ é subgrupo normal de Ζ. Pelo que fizemos acima, sabemos que o
conjunto das classes laterais, digamos à esquerda, de n Ζ em Ζ, forma um grupo com a
operação ( ) ( ) ( ) a H b H a b H + + + = + , para todos inteiros a e b . Do lema 2.2.1 e da
definição da relação de equivalência mencionada nesse lema temos que a H b H + = +
se e só se b a H − ∈ , ou seja, se e só se b a − é um múltiplo de n . Lembrando que duas
classes de equivalência ou coincidem ou são disjuntas temos que as classes de 0,1,..., 1 n −
são disjuntas: de fato se a e b são elementos distintos no conjunto {0,1,..., 1} n − então
b a − não é um múltiplo de n . Mais ainda, dado um número inteiro m temos que a
classe de m coincide com a classe de um dos elementos do conjunto {0,1,..., 1} n − : isso
é verdade pois dividindo m por n pode-se encontrar inteiros q e r tais que m q n r = +
e r n ∈ − {0,1,..., 1}. Assim m r q n − = é um múltiplo de n e portanto a classe de m e de
r coincidem. Isso mostra que existem exatamente n classes laterais no grupo quociente
Ζ Ζ / n , a saber: 0 + Ζn , 1+ Ζn , … , ( 1) n n − + Ζ . Faça você mesmo um exemplo numérico
tomando, por exemplo n = 2 (e observe que nesse caso você terá duas classes, uma
com todos os números pares e outra com todos os números ímpares), n = 3, etc.
Estruturas Algébricas 59
60 Estruturas Algébricas
MÓDULO 3
Homomorfismo de grupo e
introdução à teoria dos anéis
62 Estruturas Algébricas
Homomorfismo de grupo e introdução a teoria dos anéis
HOMOMORFISMO DE GRUPO E INTRODUÇÃO À
TEORIA DOS ANEIS
Até agora estudamos grupos “isoladamente”, ou seja, não procuramos relações entre
um grupo e outro. Nesse módulo estudaremos aplicações entre gupos, e também uma
estrutura similar à do grupo, mas sobre a qual estão definidas duas operações, e não
apenas uma.
3.1 Homomorfismos de grupos
Definição 3.1.1. Sejam F e G dois grupos, e denotemos por . e • as operações de F
e G respectivamente. Uma aplicação φ : F G → é chamada de homomorfismo entre os
grupos F e G se para todos elementos a e b de F temos que φ φ φ ( . ) ( ) ( ) a b a b = • .
Exemplos 3.1.2.
i) Seja ℜ o grupo formado pelos números reais, com a operação de soma usual, e seja
* ℜ o grupo formado pelos números reais não nulos, com a operação de multiplicação
usual (veja o Exemplo 1.2.2 (1)). Seja *
φ :ℜ → ℜ a aplicação exponencial, ou seja,
( ) a
φ a e = para todo a∈ℜ . Temos que φ é um homomorfismo entre os grupos ℜ e
* ℜ pois ( ) a b φ a b e +
+ = = . ( ). ( ) a b e e a b = φ φ .
ii) Seja Ζ grupo dos inteiros com operação de adição usual (que denotaremos por + ) e
seja Ζ Ζ / 5 o grupo quociente de Ζ pelo subgrupo 5Ζ (veja o Exemplo 2.2.11) , com a
operação de soma de classes laterais, que também denotaremos por + . Seja
φ : / 5 Ζ → Ζ Ζ a aplicação dada por φ( ) 5 a a = + Ζ, para todo a em Ζ. Temos que φ é
Estruturas Algébricas 63
MÓDULO 3
homomorfismo de grupos pois φ( ) ( ) 5 ( 5 ) ( 5 ) ( ) ( ) a b a b a b a b + = + + Ζ = + Ζ + + Ζ = + φ φ
iii) Seja Ζ grupo dos inteiros com operação de adição usual (que denotaremos por + )
e sejam φ : Ζ → Ζ e ψ : Ζ → Ζ as operações definidas respectivamente por φ( ) 3 a a =
e ψ ( ) 3 a a = + para todo a em Ζ. Temos que φ é um homomorfismo de grupos pois
φ( ) 3( ) 3 3 ( ) ( ) a b a b a b a b + = + = + = + φ φ . No entanto ψ não é homomorfismo de
grupos pois de modo geral ψ ( ) ( ) 3 ( 3) ( 3) a b a b a b + = + + ≠ + + + , por exemplo
ψ (2) 5 = , ψ (1) 4 = e logo não vale ψ ψ ψ (1 1) (1) (1) + = + .
Não raramente encontrarmos na literatura alguma frase explicando que um
homomorfismo de grupos é uma aplicação “que respeita as operações dos grupos no
domínio e no contradomínio”. Esse “respeito” é simplesmente porque, da definção de
um homomorfismo φ : F G → , vemos que se conhecemos as imagens dos elementos a
e b de F então a imagem de a b. já fica determinada como sendo φ φ ( ) ( ) a b • .
No que se segue não usaremos mais notações diferentes para as operações de F e G ,
mesmo sabendo que em exemplos essas operações são em geral distintas. Continuaremos
a utilizar a prática já estabelecida acima de indicar o resultado do produto de a por b
em F simplesmente por a b , bem como indicar o resultado do produto de c e d em
G simplesmente por c d . Assim, uma aplicação φ : F G → será um homomorfismo de
grupos se e só se φ φ φ ( ) ( ) ( ) a b a b = para todos a e b em F .
64 Estruturas Algébricas
Homomorfismo de grupo e introdução a teoria dos anéis
Lema 3.1.3. Seja φ : F G → um homomorfismo de grupos, e sejam F
e e G
e os elementos
neutros de F e G , respectivamente. Então ( ) F G φ e e = .
Prova. Como F F F e e e = temos que ( ) ( ) ( ) ( ) F F F F F φ φ φ φ e e e e e = = . Temos também que
( ) F φ e é um elemento de G e como tal tem um inverso, que denotaremos por 1
( ) F φ e
−
.
Multiplicando a igualdade ( ) ( ) ( ) F F F φ φ φ e e e = à esquerda por 1
( ) F φ e
−
temos
( ) ( ) G G F F e e e e = = φ φ , o que prova o Lema.
Lema 3.1.4. Seja φ : F G → um homomorfismo de grupos, e seja a F ∈ . Então
1 1 φ φ ( ) ( ) a a
− −
= para todo a F ∈ .
Prova. Dado a F ∈ temos que 1 1 ( ) ( ) ( ) ( ) F G φ φ φ φ a a a a e e
− −
= = = e 1 1 φ φ φ ( ) ( ) ( ) a a a a
− −
= =
( ) F G φ e e = logo 1 1 φ φ ( ) ( ) a a
− −
= .
O lema 3.1.3 acima mostra que dado um homomorfismo φ : F G → o conjunto dos
elementos de F que são levados em G
e por φ é não vazio, pois contém pelo menos F
e
Esse é um subconjunto bastante importante de F , que destacamos a seguir.
Definição 3.1.5. O conjunto ( ) : { | ( ) } Ker a F a e φ φ = ∈ = G
é chamado de núcleo do
homomorfismo φ .
Estruturas Algébricas 65
MÓDULO 3
O núcleo de um homomorfismo φ é simbolizado por Ker( ) φ porque esse conceito
apareceu com matemáticos alemães, e núcleo em alemão é “kernel”. Observe também
que utilizamos acima o símbolo := . Esse é um símbolo de igualdade, mas mais do que
isso, significa que não há, no texto, um motivo anterior que justifique essa igualdade, e
que na verdade o conceito que está do lado do símbolo de = que tem os dois pontos
está sendo definido pelo que aparece do outro lado do símbolo =. Por isso às vezes se
diz que := significa “igual por definição” (e não igual devido a um motivo anterior).
Exemplos 3.1.6. Vamos determinar o núcleo dos homomorfismos que aparecem nos
itens (i) e (ii) dos Exemplos 3.1.2.
(i) No primeiro exemplo temos *
φ :ℜ → ℜ definida por ( ) a
φ a e = para todo a∈ℜ . O
elemento identidade de * ℜ é o número 1 e se 1
a
e = então temos que ter a = 0 . Isso
mostra que nesse caso Ker( ) { 0 } φ = .
(ii) Nesse caso temos que φ : / 5 Ζ → Ζ Ζ é definido por φ( ) 5 a a = + Ζ, para todo a em
Ζ. O elemento neutro de Ζ Ζ / 5 é a classe 0 5 + Ζ . Além disso se a + Ζ = + Ζ 5 0 5 é
porque a − ∈ Ζ 0 5 , ou seja, a é um múltiplo de 5. Isso mostra que se a está no núcleo
então a é um múltiplo de 5. Por outro lado, se m5 é um múltiplo de 5 temos que
φ( 5) 5 5 0 5 m m= + Ζ = + Ζ pois m5 0 5 − ∈ Ζ . Isso mostra que todo múltiplo de 5 está
no núcleo e portanto Ker( ) 5 φ = Ζ .
O próximo resultado mostra a importância do núcleo de um homomorfismo.
66 Estruturas Algébricas
Homomorfismo de grupo e introdução a teoria dos anéis
Proposição 3.1.7. Seja φ : F G → um homomorfismo de grupos. O núcleo de φ é um
subgrupo normal de F .
Prova. Seja H o núcleo do homomorfismo φ . Para provar que H é um subgrupo de F
vamos usar a Proposição 2.1.3. Assim, dados a e b em H devemos mostrar que a b H ∈
para isso aplicamos φ em a b obtendo ( ) ( ) ( ) G G G φ φ φ a b a b e e e = = = e portanto a b H ∈
Devemos mostrar ainda que 1
a H − ∈ , e como 1 1 1 ( ) ( ) ( ) G G φ φ a a e e
− − −
= = = temos de
fato que 1
a H − ∈ . Isso completa a prova de que H é um subgrupo de F . Para mostrarmos
que H é subgrupo normal de F , pelo Teorema 2.2.9 e Proposição 2.2.10, basta mostrar
que 1
a H a H − ⊂ para todo a F ∈ . Seja a F ∈ e seja 1 1 a h a a H a − − ∈ , onde h H∈ ,
temos que 1 1 1 1 ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) G F G φ φ φ φ φ φ φ φ φ a h a a e a a a a a e e − − − −
= = = = = . Isso
mostra que 1
a h a H − ∈ e logo 1
a H a H − ⊂ , o que completa a prova de que H é um
subgrupo normal de F .
Exemplos 3.1.8. No Exemplo 3.1.6 (i) o núcleo do homomorfismo φ é o conjunto { 0 }
que de fato é um subgrupo (dito trivial, veja o Exemplo 2.1.5 (i)) do grupo dos números
reais ℜ com a adição usual. E como ℜ é um grupo abeliano temos que todo subgrupo
de ℜ é normal. Já no Exemplo 3.1.6 (ii) o núcleo do homomorfismo φ é o conjunto 5Ζ
dos inteiros que são múltiplos de 5 , e já vimos no Exemplo 2.1.7 (1) que esse é um
subgrupo do grupo dos inteiros Ζ. Como Ζ é um grupo abeliano, temos que todo
subgrupo de Ζ é normal. Para dar um exemplo onde o domínio do homomorfismo não
Estruturas Algébricas 67
MÓDULO 3
é um grupo abeliano vamos considerar um homomorfismo φ cujo domínio é 3
S e cujo
contradomínio é o grupo G = { , } α β apresentado no Exemplo 1.2.2 (4) – veja ali a tabela
que dá o resultado das operações com os elementos de G e confira que o elemento
neutro de G é α . Definimos o homomorfismo 3 φ : S G → como sendo dado por
φ α ( ) e = , φ ψ α ( ) = ,
2
φ ψ α ( ) = , φ ϕ β ( ) = , φ ϕψ β ( ) = e φ ψ ϕ β ( ) = . Deixamos ao
leitor a tarefa de verificar que φ de fato é um homomorfismo (e então você terá que
verificar coisas como φ ϕ φ ϕψ β β α ( ) ( ) = = , e 2
φ ϕ ϕψ φ ϕ ψ φ ψ φ ψ α ( ) ( ) ( ) ( ) = = = = e
e portanto φ ϕ φ ϕψ φ ϕ ϕψ ( ) ( ) ( ) = ). Da própria definição de φ temos que
2 Ker e ( ) { , , } φ ψ ψ = ; vimos no Exemplo 2.1.9 que 2 N e = { , , } ψ ψ é um subgrupo de 3
S ,
e dos cálculos feitos no (final do) Exemplo 2.2.3 temos que N é subgrupo normal de 3
S
(veja também o ultimo parágrafo antes da Definição 2.2.8).
Todo homomorfismo é, em particular, uma aplicação, e como tal pode ou não ser injetor
– lembrando que uma aplicação Θ → : A B entre conjuntos A e B é injetora se sempre
que 1
a e 2
a estão em A e 1 2 a a ≠ temos 1 2 Θ ≠ Θ ( ) ( ) a a , ou equivalentemente, se
sempre que 1 2 Θ = Θ ( ) ( ) a a vale que 1 2 a a = . O próximo resultado mostra que quando
trabalhamos com homomorfismos existe uma outra maneira de se verificar a injetividade.
Proposição 3.1.9 Seja φ : F G → um homomorfismo de grupos. Temos que φ é um
homomorfismo injetor se e só se ( ) { } Ker e φ = F
.
Prova. Suponha que φ seja um homomorfismo injetor, ou seja, que se φ φ ( ) ( ) a b =
68 Estruturas Algébricas
Homomorfismo de grupo e introdução a teoria dos anéis
então vale a b = , onde a e b são elementos de F . Seja c um elemento do núcleo de
φ , então vale que ( ) G φ c e = . Por outro lado do Lema 3.1.3 temos que ( ) F G φ e e = , logo
( ) ( ) F φ φ c e = e da hipótese vem que F
c e = , portanto ( ) { } Ker e φ = F
. Suponha agora que
( ) { } Ker e φ = F
e sejam a e b elementos de F tais que φ φ ( ) ( ) a b = . Multiplicando essa
igualdade à direita por 1
φ( ) b
−
temos 1 1 φ φ φ φ ( ) ( ) ( ) ( ) a b b b − −
= , ou seja,
1
( ) ( ) G φ φ a b e −
= , e como φ é homomorfismo temos 1
( ) G φ a b e −
= . Assim 1
a b Ker( ) φ
− ∈
e portanto 1
F
a b e −
= . Multiplicando essa igualdade à direita por b chegamos a a b = , e
logo φ é um homomorfismo injetor.
Exemplo 3.1.10. No Exemplo 3.1.6 (i) temos que o núcleo do homomorfismo é apenas o
0 (que é elemento neutro da adição dos reais) e de fato o homomorfismo é injetor (pois
a função exponencial é injetora). Já no Exemplo 3.1.6 (ii) temos que o núcleo do
homomorfismo tem infinitos elementos já que é formado pelos inteiros que são múltiplos
de 5 , e de fato o homomorfismo não é injetor (pois, por exemplo,
φ φ (5) 5 5 0 5 (0) = + Ζ = + Ζ = ).
Definição 3.1.11 A imagem de um homomorfismo de grupos φ : F G → é o conjunto
Im( ) : { ( ) | } φ φ = ∈ ∈ a G a F .
Outra propriedade importante de um homomorfismo de grupos é que sua imagem é um
subgrupo do contradomínio. É o que provamos a seguir.
Estruturas Algébricas 69
MÓDULO 3
Lema 3.1.12. Seja φ : F G → um homomorfismo de grupos. Então Im( ) φ é um subgrupo
de G .
Prova. Vamos usar a Proposição 2.1.3 para provar o lema. Dados os elementos φ( ) a e
φ( ) b em Im( ) φ temos que φ φ φ φ ( ) ( ) ( ) Im( ) a b a b = ∈ , além disso do Lema 3.1.4 vem
que 1 1 φ φ φ ( ) ( ) Im( ) a a
− − = ∈ . Isso prova que Im( ) φ é subgrupo de G .
Definição 3.1.13. Dizemos que um homomorfismo de grupos φ : F G → é um
isomorfismo se φ é injetor e sobrejetor. Quando existe um isomorfismo entre grupos F
e G dizemos que esses grupos são isomorfos.
Exemplo 3.1.14. Já notamos, no Exemplo 3.1.10, que o homomorfismo do Exemplo
3.1.6 (i) é injetor, e é fácil de ver que sua imagem é o conjunto dos números reais positivos
* ℜ+
. Observe que * ℜ+
é um subgrupo dos números reais não nulos * ℜ com a operação
de multiplicação usual (veja o Exemplo 1.2.2 (1) ): de fato, dados dois números reais
positivos seu produto é um número real positivo, e dado um número real positivo seu
inverso multiplicativo é também um número real positivo. Assim, se modificamos o
homomorfismo do Exemplo 3.1.6 (i) mudando apenas o contradomínio, ou seja, se
consideramos *
φ :ℜ → ℜ+
dado por ( ) a
φ a e =
para todo a∈ℜ , temos que φ
é um
isomorfismo, pois é injetor (já que o núcleo é apenas o zero) e é sobrejetor.
O próximo teorema traz um dos mais importantes resultados da teoria de grupos que
envolvem homomorfismos.
70 Estruturas Algébricas
Homomorfismo de grupo e introdução a teoria dos anéis
Teorema 3.1.15. (Teorema do homomorfismo para grupos). Seja φ : F G → um
homomorfismo de grupos. Então o grupo quociente F Ker / ( ) φ é isomorfo ao grupo
Im( ) φ , e a aplicação ψ φ φ : / ( ) Im( ) F Ker → dada por a Ker a ( ) ( ) φ φ está bem
definida e é um isomorfismo entre F Ker / ( ) φ e Im( ) φ .
Prova. Inicialmente observamos que, como visto na Proposição 3.1.7 o núcleo de φ é um
subgrupo normal de F e portanto faz sentido considerar o grupo quociente F Ker / ( ) φ
. Esse grupo é formado pelas classes laterais a Ker( ) φ onde a F ∈ . A aplicação ψ é
definida como ψ φ φ ( ( )) ( ) a Ker a = e vejamos que está bem definida, ou seja, não
depende do elemento escolhido para representar a classe. De fato, se a classe de a F ∈
é a mesma classe de a F '∈ , e logo temos a Ker a Ker ( ) ' ( ) φ φ = , então
1
( ') ( ) a a Ker φ
− ∈ . Assim, 1
(( ') ) G φ a a e
−
= , onde G
e é o elemento neutro de G , ou seja,
1
(( ') ) ( ) G
e a a φ φ
−
= e de 1 1 φ φ (( ') ) ( ') a a
− −
= (v. Lema 3.1.4) temos 1
( ') ( ) G
e a a φ φ
−
= e
multplicando ambos os lados por φ( ') a vem que φ φ ( ') ( ) a a = . Isso prova que
ψ φ ψ φ ( ' ( )) ( ( )) a Ker a Ker = sempre que a Ker( ) φ = a Ker ' ( ) φ e portanto a aplicação
ψ dá o mesmo resultado independentemente do representante escolhido para
simbolizar o elemento de a Ker( ) φ em resumo, ψ está bem definida. Vamos mostrar
agora que ψ é um homomorfismo de grupos, é injetora e sobrejetora. Sejam a Ker( ) φ
e b Ker( ) φ elementos de F Ker / ( ) φ , temos que a Ker b Ker ( ). ( ) φ φ = ab Ker( ) φ , logo
ψ φ φ ( ( ). ( ) ) a Ker b Ker = ψ φ φ ( ( )) ( ) ab Ker a b = , por outro lado ψ φ ( ( )). a Ker
Estruturas Algébricas 71
MÓDULO 3
ψ φ φ φ ( ( )) ( ) ( ) b Ker a b = e como φ φ φ ( ) ( ) ( ) a b a b = temos que ψ φ ( ( )). a Ker
ψ φ ψ φ ( ( )) ( ( )) b Ker ab Ker = o que prova que ψ é um homomorfismo de grupos. Para
mostrar que ψ é injetora basta mostrar que seu núcleo consiste apenas no elemento
neutro de F Ker / ( ) φ que é ( ) F
e Ker φ . Seja então a Ker( ) φ tal que ( ( )) G ψ φ a Ker e = ,
nesse caso ( ) G φ a e = e portanto a Ker ∈ ( ) φ , daí vem que ( ) ( ) F
a Ker e Ker φ φ = e
portanto ψ é injetora. Para mostrar que ψ é sobrejetora seja c∈Im( ) φ , temos então
que c a = φ( ) para algum a F ∈ e logo, pela definição de ψ temos que
ψ φ φ ( ( )) ( ) a Ker a c = = , o que prova que ψ é sobrejetora.
Exemplos 3.1.16.
i) Vimos no Exemplo 3.1.6 (ii) que o núcleo do homomorfismo φ : / 5 Ζ → Ζ Ζ definido
por φ( ) 5 a a = + Ζ para todo a em Ζ é Ker( ) 5 φ = Ζ . Observe que Im( ) / 5 φ = Ζ Ζ, logo
pelo Teorema do homomorfismo para grupos temos que ψ : / 5 / 5 Ζ Ζ → Ζ Ζ dada por
ψ ( 5 ) a + Ζ = a + Ζ5 é um isomorfismo. Nesse caso a aplicação do Teorema resultou
num fato óbvio.
ii) Para um exemplo menos óbvio considere o grupo quociente Ζ Ζ / 2 . Conforme
mencionado no final do módulo 2 esse grupo tem apenas duas classes, a saber 0 2 + Ζ e
1 2 + Ζ (que consistem, respectivamente, como subconjuntos de Ζ, no conjunto dos
números pares e dos números ímpares). A tabela de soma desses elementos é:
(0 2 ) (0 2 ) 0 2 + Ζ + + Ζ = + Ζ , (0 2 ) (1 2 ) 1 2 + Ζ + + Ζ = + Ζ , (1 2 ) (0 2 ) 1 2 + Ζ + + Ζ = + Ζ e
(1 2 ) (1 2 ) 0 2 + Ζ + + Ζ = + Ζ . Vimos no Exemplo 2.2.3 que 2 N e = { , , } ψ ψ é um subgrupo
72 Estruturas Algébricas
Homomorfismo de grupo e introdução a teoria dos anéis
de 2
3
S e = { , , , , , } ϕ ψ ψ ϕψ ψϕ (a definição de 3
S está no Exemplo 2.1.9). Seja
3 φ : / 2 S → Ζ Ζ a aplicação dada por φ φ ψ ( ) ( ) e = =
2
φ ψ( ) 0 2 = + Ζ e
φ ϕ φ ϕψ φ ψϕ ( ) ( ) ( ) 1 2 = = = + Ζ. Deixamos como exercício ao leitor verificar que φ de
fato é homomorfismo mostrando que φ φ φ ( ) ( ) ( ) a b a b = + para todos a e b em 3
S ;
por exemplo, no Exemplo 2.1.9 vimos que 2 ψ ϕ ϕψ = , assim 2
φ ψ ϕ φ ϕψ ( ) ( ) 1 2 = = + Ζ ,
e de 2
φ ψ( ) 0 2 = + Ζ e φ ϕ( ) 1 2 = + Ζ temos que 2 2 φ ψ ϕ φ ψ φ ϕ ( ) ( ) ( ) = + . Da definição de
φ temos que Ker N ( ) φ = e que φ é sobrejetora, logo, do teorema do homomorfismo
para grupos vem que 3
S N/ é isomoformo a Ζ Ζ / 2 , sendo um isomorfismo dado por
a N a φ( ) para todo a N em 3
S N/ (lembrando que no Exemplo 2.2.3 já havíamos
visto que 3
S N/ tem apenas duas classes distintas, que podem ser denotadas por e N e
ϕ N ).
O Teorema 3.1.15 é também chamado de “Primeiro teorema do homomorfismo
para grupos”. Isso porque existem outros dois teoremas sobre homomorfismos que,
juntamente com o aqui apresentado, formam a base da teoria de homomorfismos de
grupos. Você poderá saber mais sobre homomorfismos de grupos se consultar, por
exemplo, o livro Tópicos de Álgebra, de I. Herstein.
3.2. Anéis
Vamos estudar agora estruturas algébricas que têm duas operações definidas sobre
elas, lembrando que uma operação sobre um conjunto é uma maneira de combinar
dois elementos desse conjunto produzindo um terceiro. O estudo de anéis, como objeto
Estruturas Algébricas 73
MÓDULO 3
abstrato, veio da observação de que muitos conjuntos com os quais trabalhamos
frequentemente têm duas operações definidas sobre eles, e com propriedades
semelhantes, como por exemplo, o conjunto dos inteiros, o conjunto dos números reais,
o conjunto das matrizes quadradas, o conjunto dos polinômios, etc. Esses exemplos
citados têm uma soma e uma multiplicação definidas em cada um deles, e são grupos
comutativos com relação à soma. Além disso, a soma e a multiplicação se relacionam
através da propriedade que chamamos de distributividade. Esse fatos levaram à seguinte
definição.
Definição 3.2.1. Um conjunto não vazio A sobre o qual estão definidas duas operações,
que simbolizaremos por + e . , e chamaremos respectivamente de soma e produto, é
um anel se para todos a , b e c em A valem:
i) ( ) ( ) a b c a b c + + = + + (ou seja, a adição é associativa);
ii) existe em A um elemento, que denotaremos por 0 , tal que a a a + = + = 0 0 ;
iii) existe em A um elemento denotado por −a tal que a a a a + − = − + = ( ) ( ) 0 ;
iv) a b b a + = + (ou seja, a adição é comutativa);
v) ( . ). .( . ) a b c a b c = (ou seja, o produto é associativo);
vi) a b c a b a c .( ) . . + = + e ( ). . . b c a b a c a + = + (ou seja, o produto se distribui com
relação à soma)
Observe que se A é um anel, então A com a operação de soma é um grupo comutativo.
Isso é uma consequência das condições (i) a (iv) acima.
Se, além das condições acima, também vale que a b b a . . = para todos a e b em A
então A é dito um anel comutativo. Se, além das condições acima, também vale que
74 Estruturas Algébricas
Homomorfismo de grupo e introdução a teoria dos anéis
existe um elemento, que denotaremos por 1, tal que a a a .1 1. = = para todo a em A
então A é dito ser um anel com unidade. Neste texto assumiremos sempre que num
anel com unidade vale 1 0 ≠ , evitando assim o (trivial e) único exemplo de anel com
unidade em que temos 1 0 = que é o anel A que consiste apenas em um elemento
A = {0}, e tem as operações + e . , onde 0 0 0 + = e 0.0 0 = .
Exemplos 3.2.2.
i) O conjunto Ζ dos inteiros, com as operações usuais de soma e produto, forma um anel
comutativo e com unidade.
ii) O conjunto das matrizes 2 2 × com entradas reais, considerado com as operações
usuais de soma e produto, forma um anel não comutativo, mas com unidade. De fato, a
matriz identidade faz o papel do elemento identidade, e sabemos que o produto de
matrizes não é comutativo.
iii) O conjunto 2Ζ dos inteiros pares, com as operações usuais de soma e produto de
inteiros, forma um anel comutativo que não tem unidade. De fato todas as condições (i)
a (vi) são satisfeitas e sabemos que o produto de inteiros é comutativo. No entanto não
existe em 2Ζ um elemento u∈ Ζ2 tal que a u u a a . . = = para todo a∈ Ζ2 .
iv) O conjunto das matrizes 2 2 × cujas entradas são inteiros pares, considerado com as
operações usuais de soma e produto, forma um anel não comutativo e sem unidade.
v) O conjunto dos polinômios com coeficientes reais, munido das operações usuais de
soma e produto de polinômios, forma um anel comutativo e com unidade.
vi) O conjunto dos números racionais, com as operações usuais de soma e produto, forma
Estruturas Algébricas 75
MÓDULO 3
um anel comutativo e com unidade.
Lema 3.2.3. Seja A um anel.
i) Apenas o elemento 0 tem a propriedade de que a a a + = + = 0 0 para todo a em A
ii) Dado a em A o elemento −a tal que a a + − = ( ) 0 é único.
iii) Se A for anel com unidade o elemento 1 é o único tal que a a a .1 1. = = para todo a
em A (e é chamado de unidade do anel).
iv) Para todo a em A temos a a .0 0. 0 = = .
v) Se A for anel com unidade e denotarmos o inverso aditivo de a em A por −a então
vale que a a a .( 1) ( 1). − = − = − .
Prova. i) Seja 0' um elemento de A tal que a a a + = + = 0' 0' para todo a em A , então
em particular temos que 0 0' 0 + = . Por outro lado, pela propriedade que 0 tem, em
particular vale que 0 0' 0' + = , e portanto 0' 0 = .
ii) Seja b um elemento de A tal que a b + = 0 então temos b b = + = 0
( ) ( ) 0 − + + = − + + = − + = − a a b a a b a a , ou seja b a = − .
iii) A prova da unicidade de 1 é idêntica à que foi feita na Proposição 1.2.3.
iv) Dado a em A temos a a a a .0 .(0 0) .0 .0 = + = + . É claro que a.0 é um elemento de
A e logo tem um inverso com relação à adição, que denotaremos por −( .0) a , somando
esse elemento em ambos os lados da igualdade temos 0 .0 = a . De forma análoga se
mostra que 0 0. = a .
v) Temos a a a a a a .( 1) .( 1) .1 .( 1 1) .0 0 − + = − + = − + = = , onde na última igualdade
76 Estruturas Algébricas
Homomorfismo de grupo e introdução a teoria dos anéis
utilizamos o item (iv). Isso mostra que a a .( 1) − = − . De forma análoga se mostra que
( 1). − = − a a .
Definição 3.2.4. Seja A um anel e B um subconjunto não vazio de A . Se B , com as
mesmas operações definidas sobre A , é um anel, dizemos que B é subanel de A .
Lema 3.2.5. Seja A um anel com as operações de soma, denotada por + , e multiplicação,
denotada por . , e seja B um subconjunto não vazio de A tal que:
i) a b B + ∈ e a b B . ∈ para todos a e b em B ;
ii) para todo a em B temos −a em B .
Então B é um subanel de A .
Prova. Em princípio teríamos que provar que as condições (i) a (iv) da Definição 3.2.1 são
satisfeitas, mas é claro que (i), (iv), (v) e (vi) não precisam ser verificadas, pois são
propriedades das operações e sabemos que A é anel com essas mesmas operações. Por
outro lado, a condição (iii) está satisfeita por hipótese. Assim temos que verificar apenas
a condição (ii) mas isso é fácil, já que pelo item (ii) da hipótese dado a em B temos −a
em B e pelo item (i) da hipótese temos a a B + − = ∈ ( ) 0 .
A partir de agora frequentemente vamos indicar o produto de elementos a e b de um
anel A apenas por a b , sem colocar o símbolo “ . “ do produto entre os elementos.
Num anel é possível acontecer que a ≠ 0 , b ≠ 0 e a b = 0 , como mostram os exemplos
abaixo.
Estruturas Algébricas 77
MÓDULO 3
Exemplo 3.2.6. Seja M o anel das matrizes 2 2 × cujas entradas são números reais.
Temos que
1 0
0 0
a
=
e
0 0
1 2
b
=
são matrizes não nulas mas
0 0
.
0 0
a b
=
.
Isso motiva a seguinte definição.
Definição 3.2.7. Dizemos que um anel A é um domínio (ou também domínio de
integridade) quando o produto de quaisquer dois elementos não nulos tem como
resultado um elemento não nulo. Equivalentemente, A é um domínio se sempre que
a b = 0 (com a e b em A ) temos a = 0 ou b = 0 .
Vimos no final do módulo 2 que o conjunto das classes laterais à esquerda de H n = Ζ
em Ζ, que é denotado por Ζ Ζ / n , forma um grupo com a operação
( ) ( ) ( ) a H b H a b H + + + = + , para todos inteiros a e b . É fácil verificar que esse grupo
é comutativo. Veremos agora que podemos dar a Ζ Ζ / n uma estrutura de anel
comutativo com unidade, se definimos uma operação de produto de classes através de
( ) . ( ) ( . ) a H b H a b H + + = + . Em primeiro lugar é preciso verificar que esse produto
está bem definido, ou seja, se a H a H + = +' e b H b H + = +' então temos que ter
( . ) ( '. ') a b H a b H + = + (lembre-se das considerações que fizemos nos dois parágrafos
que precedem o Teorema 2.2.12). E, de fato, como a H a H + = +' temos 1
a a n z − ='
para algum inteiro 1
z , da mesma forma de b H b H + = +' temos 2
b b n z − =' para
algum inteiro 2
z . Assim 1 2 ( ')( ') a a b b n z n z − − = , ou seja, 1 2 a b a b b a a b n z n z − − + = ' ' ' ' .
Somando e subtraindo a b' ' do lado esquerdo temos
78 Estruturas Algébricas
Homomorfismo de grupo e introdução a teoria dos anéis
1 2 a b a b a b a b b a a b n z n z + − − − + = ' ' ' ' ' ' ' ' que podemos reescrever como
1 2 a b a b a a b b b a n z n z − + − − − = ' ' ( ' ) ' ( ') ' . Assim temos a b a b − + ' '
1 2 1 2 ( ) ' ( ) ' − − = n z b n z a n z n z , logo 1 2 1 2 a b a b n z b n z a n z n z H n − = + + ∈ = Ζ ' ' ' ' ,
e portanto a b H a b H + = + ' ' . Isso mostra que o produto definido é de fato um produto
de classes de equivalência e não depende da representação escolhida para denotar cada
classe. Já sabemos que Ζ Ζ / n é um grupo comutativo com a operação de soma de
classes, de modo que as condições (i) a (iv) da Definição 3.2.1 estão satisfeitas. Da
definição de produto de classes temos que
(( ) . ( )).( ) ( ) . ( ) a H b H c H a b H c H a b c H + + + = + + = + e por outro lado
( ) . (( ).( )) ( ) . ( ) a H b H c H a H b c H a b c H + + + = + + = + , e portanto vale (v).
Finalmente temos que
( ) . (( ) ( )) ( ) . ( ( ) ) ( ) a H b H c H a H b c H a b c H + + + + = + + + = + + =
( ) ( ) . ( ) ( ) . ( ) ab ac H a H b H a H c H + + = + + + + + (deixamos a verificação dessa última
igualdade para você, leitor, bem como a verificação de que
(( ) ( ) ) . ( ) ( ) . ( ) ( ) . ( ) a H b H c H a H c H b H c H + + + + = + + + + + ). Isso mostra que
vale (vi) e portanto Ζ Ζ / n é um anel com as operações de soma e produto de classes.
Como o produto definido acima é claramente comutativo, o anel é comutativo. Também
é claro que (( ) . ( )).( ) ( ) . ( ) a H b H c H a b H c H a b c H + + + = + + = + para todo
a H n + ∈ Ζ Ζ / , logo Ζ Ζ / n é anel comutativo com unidade.
Estruturas Algébricas 79
MÓDULO 3
Exemplos 3.2.8. Vamos fazer as tabelas de soma e de multiplicação no anel Ζ Ζ / 4 .
Lembramos que, como observado no parágrafo final do módulo 2, toda classe em Ζ Ζ / 4
é igual a uma das seguintes classes: 0 4 + Ζ , 1 4 + Ζ , 2 4 + Ζ e 3 4 + Ζ (reveja também as
contas feitas no Exemplo 2.2.11). Utilizando as definições de soma e de produto de
classes, e fatos como 4 4 0 4 + Ζ = + Ζ pois 4 0 4 4 − = ∈ Ζ , 5 4 1 4 + Ζ = + Ζ pois
5 1 4 4 − = ∈ Ζ , etc. temos as tabelas:
+ 0 4 + Ζ 1 4 + Ζ 2 4 + Ζ 3 4 + Ζ
0 4 + Ζ 0 4 + Ζ 1 4 + Ζ 2 4 + Ζ 3 4 + Ζ
1 4 + Ζ 1 4 + Ζ 2 4 + Ζ 3 4 + Ζ 0 4 + Ζ
2 4 + Ζ 2 4 + Ζ 3 4 + Ζ 0 4 + Ζ 1 4 + Ζ
3 4 + Ζ 3 4 + Ζ 0 4 + Ζ 1 4 + Ζ 2 4 + Ζ
e
. 0 4 + Ζ 1 4 + Ζ 2 4 + Ζ 3 4 + Ζ
0 4 + Ζ 0 4 + Ζ 0 4 + Ζ 0 4 + Ζ 0 4 + Ζ
1 4 + Ζ 0 4 + Ζ 1 4 + Ζ 2 4 + Ζ 3 4 + Ζ
2 4 + Ζ 0 4 + Ζ 2 4 + Ζ 0 4 + Ζ 2 4 + Ζ
3 4 + Ζ 0 4 + Ζ 3 4 + Ζ 2 4 + Ζ 1 4 + Ζ
Observando a tabela de multiplicação vemos que (2 4 ).(2 4 ) 0 4 + Ζ + Ζ = + Ζ, e como
2 4 0 4 + Ζ ≠ + Ζ temos que Ζ Ζ / 4 não é domínio (pois encontramos dois elementos
não nulos cujo produto é o zero do anel, a saber, 0 4 + Ζ ).
Vamos agora fazer a tabela de multiplicação para Ζ Ζ / 5 , já que a tabela de soma já feita
no Exemplo 2.2.11.
80 Estruturas Algébricas
Homomorfismo de grupo e introdução a teoria dos anéis
. 0 5 + Ζ 1 5 + Ζ 2 5 + Ζ 3 5 + Ζ 4 5 + Ζ
0 5 + Ζ 0 5 + Ζ 0 5 + Ζ 0 5 + Ζ 0 5 + Ζ 0 5 + Ζ
1 5 + Ζ 0 5 + Ζ 1 5 + Ζ 2 5 + Ζ 3 5 + Ζ 4 5 + Ζ
2 5 + Ζ 0 5 + Ζ 2 5 + Ζ 4 5 + Ζ 1 5 + Ζ 3 5 + Ζ
3 5 + Ζ 0 5 + Ζ 3 5 + Ζ 1 5 + Ζ 4 5 + Ζ 2 5 + Ζ
4 5 + Ζ 0 5 + Ζ 4 5 + Ζ 3 5 + Ζ 2 5 + Ζ 1 5 + Ζ
Novamente expressamos todos os resultados em termos das classes 0 5 + Ζ , 1 5 + Ζ ,
2 5 + Ζ , 3 5 + Ζ e 4 5 + Ζ , por exemplo, (4 5 ).(3 5 ) 12 5 2 5 + Ζ + Ζ = + Ζ = + Ζ , sendo a
primeira igualdade devido à definição de produto de classes e a segunda ao fato de que
12 2 10 5 − = ∈ Ζ. Observando a tabela vemos que o elemento 0 5 + Ζ nunca aparece
como resultado do produto de dois elementos não nulo, logo Ζ Ζ / 5 é um domínio.
Pensando com mais vagar, poderíamos ter antecipado que Ζ Ζ / 4 não é domínio. Isso
porque sabemos que os elementos de Ζ Ζ / n podem ser escritos como por exemplo
0 + Ζn , 1+ Ζn , ..., ( 1) n n − + Ζ , e quando o número inteiro positivo n não é primo ele
se fatora como o produto de dois números inteiros positivos menores do que ele,
digamos n a b = . , logo os elementos a n + Ζ e b n + Ζ são não nulos e temos
( )( ) a n b n ab n n n n + Ζ + Ζ = + Ζ = + Ζ = + Ζ 0 , e portanto Ζ Ζ / n não é domínio.
Assim, por exemplo, Ζ Ζ / 6 não é domínio pois 3 6 + Ζ e 2 6 + Ζ são elementos não
nulos de Ζ Ζ / 6 e (3 6 ) (2 6 ) 6 6 0 6 + Ζ + Ζ = + Ζ = + Ζ . O próximo resultado determina
Estruturas Algébricas 81
MÓDULO 3
quando Ζ Ζ / n é domínio.
Proposição 3.2.9. Seja n um inteiro positivo. Temos que Ζ Ζ / n é domínio se e só se n
é primo.
Prova. Suponha inicialmente que Ζ Ζ / n seja domínio. Pelo raciocínio feito logo antes
dessa Proposição o inteiro n não pode ser composto, ou seja, não pode admitir fatoração
como um produto de inteiros positivos ambos menores do que n . Assim n se fatora,
como produto de inteiros positivos, apenas como n n =1. e portanto n é primo. Suponha
agora por hipótese que n seja um número primo e suponha por absurdo que Ζ Ζ / n
não seja domínio. Nesse caso existem a n + Ζ e b n + Ζ em Ζ Ζ / n , com a e b inteiros
positivos menores do que n tais que ( )( ) a n b n ab n n + Ζ + Ζ = + Ζ = + Ζ 0 . Daí vem
que a b n − ∈ Ζ 0 , ou seja, a b é múltiplo de n , ou equivalentemente, que n divide
a b . Como n é primo temos, por uma propriedade de números primos, que n divide a
ou n divide b mas ambas as possibilidades são falsas pois a e b são inteiros positivos
menores do que n . Chegamos assim a um absurdo e portanto Ζ Ζ / n é domínio.
Definição 3.2.10. Seja A um anel com unidade. Dizemos que um elemento a A ∈ é
invertível se existe um elemento b A ∈ tal que a b b a = =1 (e logo b será invertível
também). O elemento b é chamado de inverso de a (às vezes se usa também inverso
multiplicativo de a ).
82 Estruturas Algébricas
Homomorfismo de grupo e introdução a teoria dos anéis
O próximo resultado mostra que se existe o inverso de um elemento então ele é único.
Lema 3.2.11. Seja A um anel com unidade, seja a A ∈ e suponha que existem elementos
b A ∈ e c A ∈ tais que a b b a = =1 e a c c a = =1, então b c = .
Prova. Temos que b b b a c b a c c c = = = = = . 1 . ( . ) ( . ) . 1. .
Quando, num anel A com unidade, um elemento a A ∈ tem inverso é usual denotar
esse inverso por 1
a
−
.
É claro que a unidade 1 é invertível pois 1.1 1 = , e −1 também é invertível pois, utilizando
o item (v) do Lema 3.2.3 temos ( 1) . ( 1) ( 1) 1 − − = − − = .
Alguns livros usam inversível para denotar elementos como os definidos acima.
Afinal, é inversível ou invertível? Ou os dois estão certos? O certo é invertível, e só. Essa
é a palavra que está nos dicionários há mais de 100 anos, e que quer dizer aquilo que
tem inverso ou pode ser invertido. É claro que muitas palavras que usamos não estão
no dicionário – gírias, por exemplo, acabam no dicionário só depois de certo tempo.
No entanto não há necessidade de se criar uma palavra nova, como inversível, para ter
exatamente o mesmo significado de uma palavra que já existe.
Exemplo 3.2.12. Observando as tabelas do Exemplo 3.2.8 vemos que em Ζ Ζ / 4 apenas
os elementos 1 4 + Ζ e 3 4 + Ζ são invertíveis. Esses são os invertíveis óbvios já que
3 4 ( 1) 4 + Ζ = − + Ζ. Por outro lado todos os elementos não nulos de Ζ Ζ / 5 são
invertíveis.
Estruturas Algébricas 83
MÓDULO 3
Essa propriedade do anel Ζ Ζ / 5 merece destaque.
Definição 3.2.13. Seja A um anel com unidade e com a propriedade de que todo
elemento não nulo é invertível. Então dizemos que A é um corpo.
Exemplos 3.2.14. O conjunto dos números racionais munido das operações usuais de
soma e multiplicação é claramente um anel com unidade (que, no caso, é o número 1).
Além disso, todo número racional não nulo tem um inverso multiplicativo, que é também
um número racional. Assim, o conjunto dos números racionais é um corpo. O mesmo
raciocínio se aplica ao conjunto dos números reais, que também é um corpo. Já o
conjunto dos números inteiros, munido das operações usuais de soma e multiplicação,
não é um corpo, pois, por exemplo o inteiro 2 não tem outro inteiro como inverso
multiplicativo – observe na Definição 3.2.10 que o inverso de um elemento a deve estar
no mesmo anel que esse elemento. Assim, o número 2 não tem inverso, quando
considerado como elemento do conjunto dos inteiros, e tem inverso quando considerado
como elemento do conjunto dos racionais (ou dos reais).
Teorema 3.2.15. Se A é um corpo então A é um domínio.
Prova. Sejam a e b elementos de A tais que a b = 0 . Segundo a Definição 3.2.7 devemos
mostrar que a = 0 ou b = 0 . Se a = 0 a prova acabou, suponha então que a ≠ 0 . Como
A é corpo temos que existe o inverso de a em A e multiplicando ambos os lados de
a b = 0 , à esquerda, por 1
a
−
temos 1 1 a a b a ( ) 0 0 − −
= = e portanto 1
( ) 0 a a b b −
= = , o
que conclui a prova.
84 Estruturas Algébricas
Homomorfismo de grupo e introdução a teoria dos anéis
O conjunto dos elementos invertíveis de um anel com unidade A é denotado por * A e
não é vazio, já que 1∈ A. Observe que se A é um corpo então * A consiste de todos os
elementos de A exceto o 0 . Isso às vezes causa alguma confusão porque, em livros de
Cálculo, por exemplo, onde se trabalha constantemente com o conjunto ℜ dos reais e
às vezes com o conjunto Q dos racionais, encontramos as igualdades (corretas, claro)
* ℜ = ℜ −{0} e * Q Q= −{0} e por isso o estudante fica com a impressão que o asterisco
na posição de expoente significa que o zero foi retirado do conjunto. Mas isso não é
verdade: por exemplo, temos que * Ζ = −{ 1,1} pois os únicos invertíveis do anel dos
inteiros são −1e 1.
O estudo de corpos é uma parte importante da matemática, com inúmeras aplicações
na álgebra e fora dela. A apresentação dos fatos básicos dessa teoria já tomaria
todo um semestre de estudo, se não mais. Existe uma farta bibliografia sobre o
assunto, e o aluno interessado pode iniciar seus estudos pela monografia de Otto Endler
denominada “Teoria dos Corpos” que pode ser comprada a partir do site do IMPA (
https://institucional.impa.br/livros/index.action , acessado em agosto de 2015) ou
baixado gratuitamente também do site do IMPA (http://www.impa.br/opencms/pt/
biblioteca/pm/PM_19.pdf acessado em agosto de 2015). Aliás, no site das publicações
do IMPA (http://www.impa.br/opencms/pt/biblioteca/biblioteca_colecoes acessado em
agosto de 2015) o estudante encontrará muitos textos sobre as diversas áreas da
matemática, que podem ser baixados para seu uso pessoal.
Estruturas Algébricas 85
86 Estruturas Algébricas
MÓDULO 4
Teoria de anéis com unidades e
corpos de frações
88 Estruturas Algébricas
Teoria de anéis com unidade e corpos de frações
TEORIA DE ANÉIS COM UNIDADE E CORPOS DE
FRAÇÕES.
Nesse módulo desenvolveremos a teoria iniciada no final do módulo anterior, estudando
também relações entre anéis (ou seja, homomorfismos de anéis). Um conceito
importante que iremos apresentar é o de ideal de um anel. Também mostraremos como
construir determinado corpo a partir de um domínio. Como seria apropriado para um
módulo final, utilizaremos aqui conceitos estudados em todos os módulos anteriores,
tais como relação de equivalência, grupos e anéis.
4.1 Homomorfismos de anéis e anéis quocientes
Definição 4.1.1 . Seja A um anel e seja B um subconjunto não vazio de A . Dizemos que
B é um subanel de A se B é um anel com as mesmas operações de A .
É claro que para B ser subanel as operações de A têm que ser operações sobre B , ou
seja, dados elementos a e b em B temos que ter a b + e a b em B .
Exemplo 4.1.2. Vimos no Exemplo 3.2.2 (vi) que o conjunto Q dos números racionais
forma um anel com as operações usuais de soma e de produto. Essas operações também
são operações sobre o conjunto Ζ dos inteiros (pois soma de inteiros é um inteiro e
produto de inteiros é um inteiro), e Ζ com essas operações é um anel, logo Ζ é um
subanel de Q .
Vimos no Lema 3.2.5 um critério para verificar se determinado subconjunto de um anel
Estruturas Algébricas 89
MÓDULO 4
é um subanel. Agora veremos outro critério que será usado mais adiante.
Proposição 4.1.3. Seja A um anel e seja B um subconjunto não vazio de A . Temos que
B é um subanel de A se e só se para todos a e b em B temos a b − e a b em B .
Prova. Suponha que B é um anel com as mesmas operações de A e sejam a e b
elementos de B . Como o produto é uma operação sobre B temos que a b B ∈ , por outro
lado − ∈b B e logo a b a b B − = + − ∈ ( ) .
Suponha agora que para todos a e b em B temos a b − e a b em B . Em princípio
temos que mostrar que as condições da Definição 3.2.1 estão satisfeitas. No entanto as
condições (i), (iv), (v) e (vi) dependem apenas das operações, que são as mesmas do anel
A , então essas condições estão satisfeitas. Para mostrar (ii) observe que dado a em B
por hipótese temos a a B − ∈ , ou seja, 0∈ B . Nesse caso, ainda por hipótese temos que
0 − ∈a B , ou seja, − ∈a B , e portanto vale (iii). Isso completa a demonstração de que B
é um anel com as mesmas operações de A .
Definição 4.1.4 . Seja A um corpo e seja B um subconjunto não vazio de A . Dizemos
que B é um subcorpo de A se B é um corpo com as mesmas operações de A .
Como acima, entendemos aqui que para B ser subcorpo de A um pré-requisito tem
que ser que as operações de A sejam também operações sobre B , ou seja, dados
elementos a e b em B temos que ter a b + e a b em B .
Exemplo 4.1.5. É fácil verificar que o conjunto ℜ dos números reais forma um corpo
90 Estruturas Algébricas
Teoria de anéis com unidade e corpos de frações
com as operações usuais de soma e multiplicação. Temos também que essas operações
também são operações sobre o conjunto Q dos racionais (pois soma de racionais é um
número racional e o produto de números racionais é um racional), além disso Q é um
corpo com essas operações logo Q é um subcorpo de ℜ .
Proposição 4.1.6. Seja A um corpo e seja B um subconjunto não vazio de A , com mais
de um elemento. Temos que B é um subcorpo de A se e só se para todos a e b ≠ 0
em B temos a b − e 1
a b−
em B .
Prova. Suponha que B seja um subcorpo de A e sejam a e b elementos de B , com
b ≠ 0 . Como B é corpo temos que −b e 1
b
−
são elementos de B , e logo
a b a b B − = + − ∈ ( ) e 1
a b B − ∈ .
Suponha agora que para todos a e b ≠ 0 em B temos a b − e 1
a b−
em B . Vamos
mostrar inicialmente que todo elemento não nulo de B tem seu inverso também em B
e depois vamos mostrar que B é um anel usando a Proposição 4.1.3. Sabemos que B
tem mais de um elemento, logo tem um elemento não nulo, e seja c um tal elemento.
Da hipótese vem então que c c B − = ∈0 e 1
c c B 1
−
= ∈ . Seja b um elemento qualquer
não nulo de B , temos novamente pela hipótese, que 1 1 1. b b B − − = ∈ . Usaremos agora a
Proposição 4.1.3 para mostrar que B é anel. Sejam a e b elementos de B , se b = 0
então a b a B = = ∈ .0 0 , se b ≠ 0 então pelo que acabamos de provar temos 1
b B − ∈ e
por hipótese 1 1 a b a b B ( ) − − = ∈ , temos também por hipótese que a b B − ∈ , logo da
Estruturas Algébricas 91
MÓDULO 4
Proposição 4.1.3 temos que B é anel. Isso completa a prova de que B é corpo.
O próximo resultado mostra que em corpos vale a chamada “lei do corte”.
Proposição 4.1.7. Seja A um corpo e seja a um elemento não nulo de A . Se a b a c =
então b c = (essa propriedade é chamada de “lei do corte”).
Prova. Temos por hipótese que a b a c = e que a ≠ 0 , como A é um corpo existe em A
o inverso multiplicativo de a , que denotamos por 1
a
−
. Multiplicando a igualdade à
esquerda por 1
a
−
temos 1 1 a a b a a c ( ) ( ) − −
= logo 1 1 ( ) ( ) a a b a a c − −
= e portanto b c = .
A lei do corte não é suficiente para caracterizar corpos, mas é suficiente para caracterizar
domínios.
Proposição 4.1.8. Seja A um anel. Temos que A é um domínio se e só se sempre que
a ≠ 0 e que a b a c = temos b c = (onde a , b e c são elementos de A ).
Prova. Suponha que A seja domínio, que a ≠ 0 e que a b a c = . Dessa última igualdade
vem que a b a c − = 0 e logo que a b c ( ) 0 − = . Como a ≠ 0 e A é domínio temos que
ter b c − = 0 , ou seja, b c = .
Suponha agora que sempre vale a lei do corte, queremos mostrar que A é domínio e
vamos usar a condição da Definição 3.2.7. Suponha que a e b sejam elementos de A
tais que a b = 0 . Se a = 0 acabamos, se a ≠ 0 então como a b a = = 0 0 da lei do corte
vem que b = 0 e acabamos. Isso completa a demonstração da Proposição.
92 Estruturas Algébricas
Teoria de anéis com unidade e corpos de frações
Vimos no Teorema 3.2.15 que todo corpo é um domínio. Utilizando as duas
Proposições acima é possível dar uma outra demonstração desse fato. Pare, pense e
descubra como é essa demonstração.
Vamos agora estudar aplicações entre anéis, chamadas, como na teoria de grupos, de
homomorfismos. Aqui também a definição exigirá que a aplicação “respeite” as
operações nos anéis que estão em seu domínio e contradomínio (recorde a observação
feita após os Exemplos 3.1.2). Da mesma forma que fizemos quando trabalhamos com
homomorfismos de grupos (veja a observação no parágrafo antes do Lema 3.1.3) não
vamos denotar por símbolos diferentes as operações nos anéis que estão no domínio e
contradomínio de um homomorfismo, ainda que essas operações sejam distintas. A
soma em qualquer dos anéis será indicada por “ + ” e o produto por “. “, ou simplesmente
será indicado escrevendo os fatores um após o outro.
Definição 4.1.9. Sejam A e B anéis. Uma aplicação φ : A B → é chamada de
homomorfismo de anéis se para todos elementos a e b em A temos que
φ φ φ ( ) ( ) ( ) a b a b + = + e φ φ φ ( ) ( ) ( ) a b a b = . Quando A e B são anéis com unidade
exigimos também que onde 1A
e 1B
denotam, respectivamente, as unidades de A e de
B . Como no caso de homomorfismo de grupos, definimos o núcleo de φ como
sendo Ker a A a ( ) : { | ( ) 0} φ φ = ∈ = .
Exemplo 4.1.10. Seja Ζ o anel dos inteiros e seja Ζ Ζ / 5 o anel quociente que aparece
no Exemplo 2.2.11 e no Exemplo 3.2.8. Seja φ : / 5 Ζ → Ζ Ζ a aplicação definida por
Estruturas Algébricas 93
MÓDULO 4
φ( ) 5 n n = + Ζ para todo n∈ Ζ . Temos que φ é um homomorfismo de anéis com
unidade, pois para todos n e m em Ζ temos
φ( ) ( ) 5 ( 5 ) ( 5 ) ( ) ( ) n m n m n m n m + = + + Ζ = + Ζ + + Ζ = + φ φ , e também que φ( ) n m =
( ) 5 ( 5 ) ( 5 ) ( ) ( ) n m n m n m + Ζ = + Ζ + Ζ = φ φ . Por último observamos que φ(1) 1 5 = + Ζ
, e portanto a imagem da unidade de Ζ por φ é a unidade de Ζ Ζ / 5 .
É claro que se A e B são anéis, então também são grupos comutativos com a operação
de adição. Assim, se φ : A B → é um homomorfismo de anéis, como vale
φ φ φ ( ) ( ) ( ) a b a b + = + para todos a e b em A , temos que φ também é homomorfismo
de grupos (se consideramos A e B como grupos). Temos então que o núcleo Ker( ) φ
é um subgrupo de A . Esse subgrupo tem a seguinte relação com a operação de produto
em A : para todo a em Ker( ) φ e todo c em A vale que c a e a c são elementos de
Ker( ) φ . De fato, se φ( ) 0 a = então φ φ φ φ ( ) ( ) ( ) ( ) . 0 0 c a c a c = = = e logo c a Ker ∈ ( ) φ , e
da mesma forma mostramos que φ( ) 0 a c = e logo a c Ker ∈ ( ) φ . Essas observações
levam à seguinte definição.
Definição 4.1.11. Seja A um anel e seja I A ⊂ um subconjunto não vazio. Dizemos que
I é um ideal de A se para todos a e b em I vale que a b I + ∈ e para todo c em A
vale que c a e a c são elementos de I .
94 Estruturas Algébricas
Teoria de anéis com unidade e corpos de frações
Exemplos 4.1.12.
i) Seja φ : A B → um homomorfismo de anéis, pelo raciocínio feito logo antes da
Definição acima temos que o núcleo Ker( ) φ é um ideal de A .
ii) Seja M o conjunto das matrizes 2 2 × com entradas inteiras, ou seja,
; , , ,
a b
M a b c d
c d
= ∈ Ζ
e seja I o subconjunto de M formado pelas matrizes
onde todas as entradas são números inteiros pares. É claro que se 1 2 M M I , ∈ então
M M I 1 2 + ∈ e se M M 3 ∈ é fácil verificar que 1 3 3 1 M M M M I , ∈ , logo I é um ideal de
M .
iii) Seja Ζ o anel dos inteiros e seja n um número inteiro. O conjunto n m n m Ζ = ∈ Ζ { | }
dos múltiplos de n é um ideal de Ζ. De fato, a soma de dois múltiplos de n é um
múltiplo de n e o produto de um inteiro qualquer por um múltiplo de n é um múltiplo
de n .
iv) Num anel A o conjunto unitário I = {0} é um ideal de A já que 0 0 0 + = e para todo
c A ∈ temos c.0 0 = . Observe também que o próprio anel A é um ideal de A pois é
fácil ver que se I A = as condições na definição acima são satisfeitas. Esses dois ideais,
{0} e A , são chamados de ideais triviais de A .
Estruturas Algébricas 95
MÓDULO 4
Como esse texto traz apenas uma introdução à teoria dos anéis, a partir de agora, com
o objetivo de simplificar a exposição, vamos trabalhar apenas com anéis comutativos e
com unidade. Muitos resultados que vamos provar valem também para anéis não
comutativos ou sem unidade, mas as provas em nosso caso serão mais simples. Assim, a
partir de agora, “anel” significa “anel comutativo com unidade”. Dessa forma, para
provar, por exemplo, que um subconjunto não vazio I de um anel A é um ideal temos
que provar que para todos a e b em I vale que a b I + ∈ e para todo c em A vale que
c a está em I (não precisamos nos preocupar com a c pois a c c a = ).
Nos próximos resultados tratamos de domínios (que, como são anéis, também
considerados a partir de agora como sendo comutativos com unidade)
Proposição 4.1.13. Seja A um domínio formado por um número finito de elementos.
Então A é um corpo.
Prova. Seja n o número de elementos de A , escrevemos então 1
{ , ... , } A a a = n
. Seja
i
a A ∈ um elemento não nulo de A , queremos mostrar que i
a tem inverso multiplicativo
em A . Observe que se j k a a ≠ então i j i k a a a a ≠ pois se i j i k a a a a = pela lei do corte
teríamos j k a a = . Assim o conjunto 1
{ , ... , } i i n a a a a tem n elementos distintos e todos
pertencem a A logo temos que ter 1
{ , ... , } A a a a a = i i n . Como A é anel com unidade,
para algum índice t temos que ter 1 i t a a = e logo t
a é o inverso de i
a .
96 Estruturas Algébricas
Teoria de anéis com unidade e corpos de frações
Corolário 4.1.14. Seja p um inteiro positivo primo. Temos que Ζ Ζ / p é um corpo.
Prova. Como p é primo temos da Proposição 3.2.9 que Ζ Ζ / p é um domínio. Sabemos
também que Ζ Ζ / p é formado por p elementos (a saber, as classes de equivalência
0 + Ζp , … , ( 1) p p − + Ζ ) logo Ζ Ζ / p é um domínio que tem um número finito de
elementos e como consequência do resultado anterior temos que Ζ Ζ / p é corpo.
Na matemática um Corolário é uma consequência imediata de um resultado anterior.
Um Lema é um resultado auxiliar. Uma Proposição é um resultado mais forte, mas
não tão forte quanto o de um Teorema.
Seja A um anel e seja I A ⊂ um ideal de A . Sabemos que dados a e b em I vale que
a b I + ∈ . Observe que − ∈1 A já que estamos supondo que A tem unidade 1, e como
A é um grupo com relação à adição temos que ter o inverso aditivo de 1 em A também,
e como I é ideal vale que − = − ∈ 1. a a A. Isso mostra (confira a Proposição 2.1.3) que
I é um subgrupo de A . Como A é um grupo comutativo com relação à adição temos
que I é um subgrupo normal de A que, conforme já vimos, define uma relação R de
equivalência sobre A dada por ( , ) a b R ∈ se e somente se b a I − ∈ . Vimos também
que as classes de equivalência dessa relação são os conjuntos da forma
a I a h h I + = + ∈ { | }, ou seja, as classes laterais à esquerda, de I em A (veja o Lema
Estruturas Algébricas 97
MÓDULO 4
2.2.1 e o parágrafo seguinte a esse Lema). E sabemos ainda que tais conjuntos formam
um grupo com a operação de soma de classes definida por ( ) ( ) ( ) a I b I a b I + + + = + +
(veja o parágrafo que precede o Exemplo 2.2.11). No presente caso esse grupo é
claramente comutativo
pois ( ) ( ) ( ) b I a I b a I + + + = + + = ( ) a b I + + , já que a soma em A é comutativa.
Utilizando a notação apresentada após o Teorema 2.2.12 vamos denotar o conjunto das
classes de equivalência por A I / , ou seja, A I a I a A / { | } = + ∈ . Vamos mostrar agora
que, mais do que grupo comutativo, podemos dar ao conjunto A I / uma estrutura de
anel (no presente caso, comutativo e com unidade) se definirmos um produto de classes
laterais por ( ) . ( ) : ( . ) a I b I a b I + + = + . Vejamos inicialmente que esse produto está
bem definido, ou seja, independe da representação escolhida para cada classe,
exatamente como fizemos após a Definição 3.2.7 quando definimos um produto de
elementos de Ζ Ζ / n . Aliás aqui o raciocínio é exatamente o mesmo: supomos que
a I a I + = +' e b I b I + = +' , onde a , b , a ' e b' estão em A e queremos mostrar que
( ) ( ' ') a b I a b I + = + . De a I a I + = +' temos que 1
a a h I − = ∈ ' e de b I b I + = +'
temos que 2
b b h I − = ∈ ' logo 1 2 ( ')( ') a a b b h h − − = . Expandindo o lado esquerdo e
depois somando e subtraindo a b' ' , como fizemos após a Definição 3.2.7, chegamos a
1 2 1 2 a b a b h b h a h h − = + + ' ' ' ' . Como I é ideal e 1
h e 2
h são elementos de I , da
definição de ideal temos que 1 2 1 2 h b h a h h I ' ' + + ∈ . Assim a b a b I − ∈ ' ' e portanto
( ) ( ' ') a b I a b I + = + . Isso mostra que o produto está bem definido. Deixamos agora ao
leitor a tarefa de verificar que A I / , munido das operações de soma e produto de
98 Estruturas Algébricas
Teoria de anéis com unidade e corpos de frações
classes, é um anel que tem 0 + I como elemento neutro da soma e 1+ I como unidade.
Esse é o chamado anel quociente de A por I .
Exemplos 4.1.15
i) Seja ℜ[ ] X o conjunto dos polinômios na variável X , ou seja, o conjunto das expressões
do tipo 2
0 1 2
n
n
a a X a X a X + + + + , onde n∈{0,1, 2,...} e 0
a , … , n
a são números
reais. Temos que ℜ[ ] X é um anel com as operações usuais de soma e multiplicação de
polinômios (que lembramos com os exemplos:
4 4 5 4 5 (2 3 2 ) (3 3 ) 2 5 − + + + + = + + X X X X X X X e
2 2 2 2 2 3 (2 3 ) . ( ) 2 ( ) ( 3 ) ( ) 2 2 ( 3) ( 3) − + = + + − + = + + − + − = X X X X X X X X X X X X
2 3 2 3 X X X − − ), tendo 0 como elemento neutro da soma e 1 como a unidade. Seja
I o conjunto dos mútiplos de 2 X + 1, ou seja, 2
I p X X p X X = + ∈ℜ { ( ).( 1) | ( ) [ ]}.
Assim, dados 2
1
p X X ( ).( 1) + e 2
2
p X X ( ).( 1) + em I e a X X ( ) [ ] ∈ℜ temos
2
1
p X X ( ).( 1) + + 2 2
2 1 2 p X X p X p X X I ( ).( 1) ( ( ) ( ))( 1) + = + + ∈ e temos ainda que
2
1
a X p X X ( ) ( ( )( 1)) + = 2
1
( ( ) ( )) ( 1) a X p X X I + ∈ , o que mostra que I é ideal de
ℜ[ ] X . Assim o anel ℜ[ ] / X I é composto pelos elementos do tipo p X I ( ) + , onde
p X X ( ) [ ] ∈ℜ . Usando divisão polinomial é possível determinar precisamente as
distintas classes que compõem ℜ[ ] / X I . Lembramos que o grau de um polinômio não
nulo é o valor da maior potência de X que efetivamente aparece no polinômio, por
exemplo: 4
grau X X (1 4 ) 4 + − = ,
3 7 grau X X ( 3 ) 7 + = e grau(5) 0 = . Além disso, dados
Estruturas Algébricas 99
MÓDULO 4
dois polinômios p X( ) e g X( ) em ℜ[ ] X , com g X( ) não nulo, é possível encontrar
polinômios q X( ) e r X( ) , também em ℜ[ ] X , tais que p X q X g X r X ( ) ( ) ( ) ( ) = + ,
onde r X( ) 0 = ou grau r X grau g X ( ( )) ( ( )) < . Por exemplo, tomando 4
p X X X ( ) 3 1 = + +
e 2
g X X ( ) 1 = + temos 4 2 2 3 1 (3 3)( 1) 4 X X X X X + + = − + + + (e grau X( 4) 1 2 + = < =
2
grau X( 1) + ), tomando 4
p X X ( ) 1 = − e 2
g X X ( ) 1 = + temos 4 2 2 X X X − = − + 1 ( 1)( 1)
(nesse caso r X( ) 0 = ), e tomando p X X ( ) 2 = + e 2
g X X ( ) 1 = + temos X + = 2
2
0 . ( 1) ( 2) X X + + + (e 2
grau X( 2) 1 2 ( 1) + = < = + grau X ). Assim, na divisão de um
polinômio p X( ) por 2 X + 1 temos 2
p X q X X r X ( ) ( )( 1) ( ) = + + e r X( )
necessariamente será da forma r X a X b ( ) = + , com a e b números reais. Nesse caso,
como p X r X ( ) ( ) − =
2
q X X I ( )( 1) + ∈ temos que p X I r X I ( ) ( ) + = + . Isso mostra
que não precisamos considerar todas as classes p X I ( ) + , onde p X X ( ) [ ] ∈ℜ para
obter ℜ[ ] / X I , podemos escrever ℜ = + + ∈ℜ [ ] / { ( ) | , } X I a X b I a b já que dado
p X X ( ) [ ] ∈ℜ vai existir um polinômio r X a X b ( ) = + para o qual vale
p X I r X I ( ) ( ) + = + . Além disso é fácil ver que se 1 1 2 2 a X b a X b + ≠ + então
1 1 2 2 ( ) ( ) a X b I a X b I + + ≠ + + já que 1 1 ( ) a X b + − 2 2 ( ) a X b + é um polinômio não nulo
de grau no máximo 1 e logo não pode ser múltiplo de 2 X + 1, ou seja,
1 1 2 2 ( ) ( ) a X b a X b I + − + ∉ . Isso mostra que as distintas classes de ℜ[ ] / X I são
exatamente as classes do tipo ( ) a X b I + + com a e b números reais.
ii) Considere o conjunto Ζ = + ∈ Ζ [ 2]: { 2 | , } a b a b . Observe que as operações
100 Estruturas Algébricas
Teoria de anéis com unidade e corpos de frações
usuais de soma e produto de números reais são operações sobre Ζ[ 2], isto é, dados
a b + 2 e c d + 2 em Ζ[ 2] temos
( 2) ( 2) ( ) ( ) 2 [ 2] a b c d a c b d + + + = + + + ∈ Ζ (pois a c b d + + ∈ Ζ , ) e
( 2) . ( 2) ( 2 ) ( ) 2 [ 2] a b c d a c b d a d b c + + = + + + ∈ Ζ (pois
a c b d a d b c + + ∈ Ζ 2 , ). Agora não é difícil mostrar que Ζ[ 2] é um anel comutativo e
com unidade munido dessas operações, com 0 ( = + 0 0 2 ) como elemento neutro da
soma e 1 ( = +1 0 2 ) como a unidade. Seja I o conjunto dos múltiplos de 2 , ou seja,
I a b a b = + + ∈ Ζ { 2 ( 2) | 2 [ 2]}. Procedendo como no exemplo acima mostra-se
que I é um ideal (faça os detalhes!), portanto podemos considerar o anel quociente
Ζ[ 2] / I . Esse anel consiste de todas as classes do tipo ( 2) a b I + + com a b + 2
em Ζ[ 2]. Como fizemos com Ζ Ζ / 5 e no exemplo acima, também aqui é possível
determinar um certo conjunto de classes cuja união é igual a Ζ[ 2] / I . De fato, seja
a b + 2 em Ζ[ 2], se a e b são pares então a a = 2 ', b b = 2 ' e a b a b + = + 2 2 ( ' ' 2)
com a b ' ' 2 [ 2] + ∈ Ζ , assim a b I + ∈2 e ( 2) 0 a b I I + + = + . Suponha agora
que a seja par e b seja ímpar, nesse caso a a = 2 ' e b b = + 2 ' 1, com a ' e b' inteiros, e
temos que a b a b + = + + = 2 2 ' (2 ' 1) 2 2( ' ' 2) 2 a b + + , logo ( 2) 2 a b I + − ∈
e portanto ( 2) 2 a b I I + + = + . Assumimos agora que a seja ímpar e b seja par,
nesse caso a a = + 2 ' 1 e b b = 2 ' , com a ' e b' inteiros, e temos que
a b a b a b + = + + = + + 2 (2 ' 1) 2 ' 2 1 2( ' ' 2), logo ( 2) 1 a b I + − ∈ e portanto
Estruturas Algébricas 101
MÓDULO 4
( 2) 1 a b I I + + = + . Por último, vamos supor que a e b sejam ímpares, nesse caso
a a = + 2 ' 1 e b b = + 2 ' 1, com a ' e b ' inteiros, e temos que
a b a b a b + = + + + = + + + 2 (2 ' 1) (2 ' 1) 2 2( ' ' 2 ) (1 2 ), logo
( 2) (1 2) a b + − + ∈ I e portanto ( 2) (1 2) a b I I + + = + + . Assim temos que
Ζ = + + + ∈ Ζ = + + + + + [ 2] / { ( 2) | 2 [ 2]} {0 ,1 , 2 , (1 2) } I a b I a b I I I I .
Compare o que fizemos no exemplo 4.1.15 (i) e o que fizemos no (final do) Exemplo
1.1.10 (d) e veja como os raciocínios são semelhantes, ambos baseados em um argumento
de divisão, e com as distintas classes sendo caracterizadas pelo resto. Isso não é uma
coincidência, e pode ser explicada pelo estudo dos assim chamados domínios euclidianos.
Até o que fizemos no exemplo 4.1.15 (ii), apesar de não envolver explicitamente algum
tipo de divisão, pode ser explicado pelo estudo de domínios euclidianos. Você encontra
mais sobre isso no livro Elementos de Álgebra, de A. Garcia e Y. Lequain, editado pelo
IMPA.
Continuamos nosso estudo de homomorfismos de anéis.
Definição 4.1.16. A imagem de um homomorfismo de anéis φ : A B → é o conjunto
Im( ) : { ( ) | } φ φ = ∈ ∈ a B a A .
Proposição 4.1.17. Seja φ : A B → é um homomorfismo de anéis. Então Im( ) φ é um
subanel de B .
102 Estruturas Algébricas
Teoria de anéis com unidade e corpos de frações
Prova. Vamos usar o Lema 3.2.5 para provar a Proposição. Dados os elementos φ( ) a e
φ( ) b em Im( ) φ temos que φ φ φ φ ( ) ( ) ( ) Im( ) a b a b + = + ∈ e φ φ φ φ ( ) ( ) ( ) Im( ) a b a b = ∈ .
Por outro lado φ φ φ φ ( ) ( ) ( ) (0) 0 − + = − + = = a a a a , logo − = − ∈ φ φ φ ( ) ( ) Im( ) a a o que
completa a prova.
Definição 4.1.18. Dizemos que um homomorfismo de anéis φ : A B → é um isomorfismo
se φ é injetor e sobrejetor. Quando existe um isomorfismo entre anéis A e B dizemos
que esses anéis são isomorfos.
Já observamos, no Exemplo 4.1.12 (i) que o núcleo de um homomorfismo é um ideal
do anel que está no domínio do homomorfismo. Vamos apresentar agora um resultado
para anéis análogo ao do Teorema 3.1.15.
Teorema 4.1.19 (Teorema do homomorfismo para anéis) Seja φ : A B → um
homomorfismo de anéis. Então o anel quociente A Ker / ( ) φ é isomorfo ao anel Im( ) φ ,
e a aplicação ψ φ φ : / ( ) Im( ) A Ker → dada por a Ker a + ( ) ( ) φ φ está bem definida e é
um isomorfismo entre A Ker / ( ) φ e Im( ) φ .
Prova. Podemos aplicar o Teorema 3.1.15 pois A e B em particular são grupos (com a
operação de adição) e como φ é homomorfismo de anéis, também é, em particular,
homomorfismo de grupos. Assim temos que a aplicação ψ está bem definida e é um
isomorfismo de grupos. Falta então apenas provar que
ψ φ φ ψ φ ψ φ ( ( ( ) ) . ( ( ) ) ) ( ( ) ) . ( ( ) ) a Ker b Ker a Ker a Ker + + = + + mas isso é fácil já
Estruturas Algébricas 103
MÓDULO 4
que ψ φ φ ψ φ φ φ φ ( ( ( ) ) . ( ( ) ) ) ( ( ) ) ( ) ( ) ( ) a Ker b Ker a b Ker a b a b + + = + = = =
ψ φ ψ φ ( ( ) ) . ( ( ) ) a Ker b Ker + + . Isso prova que ψ é homomorfismo de anéis e como já
sabemos que ψ é sobrejetor e injetor temos que ψ é isomorfismo de anéis.
4.2 Ideais e corpos de frações
Nessa seção aprofundamos um pouco o estudo da relação entre ideais e anéis quocientes
e mostramos uma importante construção que se pode fazer com um domínio, chamada
de corpo de frações do domínio. Continuamos a supor que “anel” significa “anel
comutativo com unidade” (e em particular os domínios também são comutativos com
unidade).
Vimos nos Exemplos 4.1.15 ideais formados por múltiplos de um elemento no anel.
Esses são um tipo especial de ideais, sobre os quais apresentamos alguns resultados.
Proposição 4.2.1. Seja A um anel e seja a A ∈ . O conjunto ( ): { | } a a b b A = ∈ dos
múltiplos de a em A é um ideal de A .
Prova. Sejam 1
a b e 2
a b elementos de ( ) a , temos que 1 2 1 2 a b a b a b b a + = + ∈ ( ) ( ).
Por outro lado, dado c A ∈ temos que 1 1 c a b c b a a ( ) ( ) ( ) = ∈ logo ( ) a é ideal de A .
Definição 4.2.2. Seja I A ⊂ um ideal de A . Dizemos que I é um ideal principal se existe
a I ∈ tal que I a = ( ) . O elemento a I ∈ é dito ser um gerador de I , e se diz também
que I é gerado por a .
104 Estruturas Algébricas
Teoria de anéis com unidade e corpos de frações
Exemplos 4.2.3.
i) O ideal n m n m Ζ = ∈ Ζ { | } do anel dos inteiros, que apareceu no Exemplo 4.1.12 (iii)
é claramente um ideal principal gerado por n∈ Ζ .
ii) Já observamos que, dado um anel A , o próprio anel é um ideal de si mesmo, no
Exemplo 4.1.12 (iv). E observamos agora que A , como ideal, é principal já que A = (1)
(pois dado a A ∈ temos a a = .1). O gerador de um ideal em geral não é único. Por
exemplo, temos também que A = −( 1) já que dado a A ∈ vale que a a = − − ( ).( 1), ou
seja, qualquer elemento de A é um múltiplo de −1. O outro ideal trivial, I = {0} ,
também é claramente principal já que I = (0) . Esse é um caso em que o gerador é único
até porque o ideal só tem um elemento!
iii) Seja ℜ[ ] X o anel dos polinômios com coeficientes reais (veja o Exemplo 4.1.15 (i)) e
seja I p X X p = ∈ℜ = { ( ) [ ]| (1) 0 } o conjunto dos polinômios que se anulam quando
substituímos X por 1. Observe que I é um ideal de ℜ[ ] X : de fato, dados polinômios
1
p X( ) e 2
p X( ) em I se definimos 1 2 s X p X p X ( ) : ( ) ( ) = + temos que
1 2 s p p (1) (1) (1) 0 0 0 = + = + = logo s X I ( )∈ , e por outro lado dado a X X ( ) [ ] ∈ℜ e
definindo 1
t X a X p X ( ) : ( ) ( ) = temos que t a (1) (1).0 0 = = logo t X I ( )∈ . Um dos
polinômios que está em I é claramente m X X ( ) 1 = − e temos que qualquer múltiplo
desse polinômio também está em I . Considere agora um polinômio qualquer p X( )
Estruturas Algébricas 105
MÓDULO 4
em I , conforme recordamos no Exemplo 4.1.15 (i) podemos dividir p X( ) por X −1
obtendo um quociente q X( ) e um resto r X( ) tal que p X q X X r X ( ) ( )( 1) ( ) = − + ,
onde r X( ) 0 = ou grau r X grau X ( ( )) ( 1) 1 < − = . Assim ou r X( ) 0 = ou o grau de
r X( ) é zero, e de qualquer forma temos que r X( ) é um número real r X k ( ) = .
Fazendo X =1 na igualdade p X q X X k ( ) ( )( 1) = − + e lembrando que p X I ( )∈
temos 0 (1).0 = + q k , ou seja, k = 0 . Isso mostra que p X q X X ( ) ( )( 1) = − , e portanto
o ideal I é exatamente o conjunto dos múltiplos do polinômio X −1 (ou, usando a
notação apresentada na Proposição 4.2.1, temos I X = − ( 1) ). Descobrimos assim que
I é ideal principal, embora ele não tenha sido definido como o conjunto dos múltiplos
de um polinômio.
Pode-se provar que qualquer ideal no anel dos inteiros, ou no anel de polinômios
ℜ[ ] X ou no anel Ζ[ 2] (v. Exemplo 4.1.15 (ii) ) é principal. Esses fatos aparecem
no estudo dos domínios euclidianos mencionados acima, e encontram-se demonstrados
no livro de A. Garcia e Y. Lequain já citado.
Definição 4.2.3. Seja A um anel e I A ⊂ um ideal de A . Dizemos que I é um ideal
primo se sempre que a b I ∈ (onde a e b são elementos de A ) vale que a I ∈ ou
b I ∈ .
106 Estruturas Algébricas
Teoria de anéis com unidade e corpos de frações
Exemplos 4.2.4.
i) No anel dos inteiros Ζ seja p um número primo e seja I p = ( ) (ou seja, I é o ideal
formado pelos múltiplos de p ). Dados inteiros a e b tais que a b I ∈ , temos então que
a b é um múltiplo de p (em outras palavras, p divide a b ) e por uma propriedade de
números primos temos que ter que ou a ou b é múltiplo de p (em outras palavras, p
divide a ou p divide b ). Isso mostra que I p = ( ) é um ideal primo.
ii) Seja A um anel e seja I A ⊂ o ideal gerado por 0 (e que tem apenas esse elemento,
claro). Se A for um domínio então I será ideal primo (pois se a b = 0 então a = 0 ou
b = 0 ) e se A não for um domínio então I não será ideal primo, pois existem em A
elementos a ≠ 0 e b ≠ 0 tais que a b = 0 .
Teorema 4.2.5. Seja A um anel e I A ⊂ um ideal primo de A , então o anel quociente
A I / e um domínio.
Prova. Já sabemos que A I / é um anel, e devemos mostrar que dados a I + e b I + em
A I / tais que ( )( ) 0 a I b I I + + = + temos que ter a I I + = +0 ou b I I + = +0 .
Observamos inicialmente que ( )( ) a I b I a b I + + = + , e de a b I I + = +0 temos que
a b a b I = − ∈0 . Como I é ideal primo, de a b I ∈ temos que a I ∈ ou b I ∈ , e
portanto a I I + = +0 ou b I I + = +0 .
Estruturas Algébricas 107
MÓDULO 4
Como último tópico do nosso curso vamos estudar uma construção que pode ser
usada para se obter o corpo dos números racionais a partir dos números inteiros. Essa
construção funciona para todo domínio, ou seja, a partir de um domínio vamos construir
um corpo que o contém e que é o “menor” corpo com essa propriedade.
O que leva a essa construção é a constatação de que existem várias maneiras de se
escrever um mesmo número racional na forma de fração. Por exemplo, temos que
2 4 14
3 6 21
= = , etc. Dadas duas frações a
b
e
c
d
aprendemos que a c
b d
= se e somente se
a d b c = , e por isso sabemos que 255 2040
45 360
= e que
108 71
144 96
≠ . Com a experiência que
adquirimos até agora, o fato de um número racional ter diversos representantes nos leva
a desconfiar que tal número talvez possa ser visto como ... uma classe de equivalência!
De fato, vimos várias vezes nesse texto que uma classe de equivalência de uma relação
de
equivalência pode ser escrita de distintas formas (veja, por exemplo, a figura no Exemplo
1.1.14(c) ). Vamos mostrar no que se segue que nossa suspeita é de fato verdade.
Seja D um domínio e vamos denotar por D
o conjunto dos elementos não nulos de
D . Vamos definir uma relação R de equivalência sobre D D×
, o produto cartesiano de
D por D
. Comparando o que acabamos de escrever com a Definição 1.1.6 observe que
uma relação sobre D D×
significa que D D×
faz o papel de A naquela definição, e
assim a relação que queremos definir é um subconjunto de ( ) ( ) D D D D × × × , ou seja,
um elemento de R vai ser um par ordenado formado por pares ordenados (e portanto,
um objeto do tipo (( , ) , ( , )) a b c d ). A relação vai ser definida da seguinte maneira:
(( , ) , ( , )) a b c d R ∈ se e só se a d b c = .
108 Estruturas Algébricas
Teoria de anéis com unidade e corpos de frações
Vamos verificar que essa definição de fato nos dá uma relação de equivalência sobre
D D×
. Para isso temos que verificar que R satisfaz as três condições da Definição 1.1.6.
Para verificar a primeira condição, como em nosso caso temos A D D = ×
, o que
precisamos verificar é que para todo ( , ) a b D D ∈ ×
temos que (( , ) , ( , )) a b a b R ∈ , e isso
de fato é verdade porque a b b a = . Para verificar a segunda condição precisamos
verificar se o fato de termos (( , ) , ( , )) a b c d R ∈ implica que (( , ) , ( , )) c d a b R ∈ . Como
(( , ) , ( , )) a b c d R ∈ temos que a d b c = , que é o mesmo que c b d a = , e da definição de
R vemos que isso implica que (( , ) , ( , )) c d a b R ∈ . Finalmente, para verificar a terceira
condição da Definição 1.1.6 precisamos, em nosso caso, de mostrar que se
(( , ) , ( , )) a b c d R ∈ e (( , ) , ( , )) c d e f R ∈ então vale que (( , ) , ( , )) a b e f R ∈ . De
(( , ) , ( , )) a b c d R ∈ temos que a d b c = , e de (( , ) , ( , )) c d e f R ∈ temos que c f d e = .
Multiplicando ambos os lados de a d b c = por f temos a df b cf = , e usando no lado
direito dessa igualdade que c f d e = temos a df b de = . Passando tudo para o lado
esquerdo e colocando d em evidência temos d a f b e ( ) 0 − = . De ( , ) c d D D ∈ ×
temos
que d D ∈
e em particular d ≠ 0 . Como D é um domínio, de d a f b e ( ) 0 − = e d ≠ 0
temos que ter a f b e − = 0 (veja a Definição 3.2.7) e logo a f b e = . Da definição de R
vem dessa igualdade que (( , ) , ( , )) a b e f R ∈ , o que completa a prova de que R é de fato
uma relação de equivalência. Como de hábito, definimos uma relação de equivalência
para trabalharmos com as classes de equivalência associadas a essa relação. No caso,
temos que R vai dividir o conjunto D D×
numa série de subconjutos, que são as
Estruturas Algébricas 109
MÓDULO 4
distintas classes de equivalência de seus elementos (conforme visto na Proposição 1.1.12
e nos Exemplos 1.1.14). Queremos dar uma estrutura de corpo ao conjunto das classes
de equivalência de R , mas antes devemos decidir como denotar a classe de equivalência
de um elemento ( , ) a b D D ∈ ×
. No caso da relação de equivalência que estamos
estudando ao invés de denotar a classe de equivalência de ( , ) a b D D ∈ ×
por
______
( , ) a b ,
seguindo a notação apresentada na Definição 1.1.8, é usual denotar tal classe de
equivalência por a
b
. Isso vai fazer com que recuperemos igualdades familiares, por
exemplo, sabemos que as classes de equivalência de ( , ) a b e ( , ) c d coincidem se e só se
(( , ) , ( , )) a b c d R ∈ , ou equivalentemente, se e só se a d b c = (veja a observação antes
dos Exemplos 1.1.14), ou seja, temos que a c
b d
= se e só se a d b c = .
Vamos denotar por K o conjunto das classes de equivalência da relação R , e portanto
podemos escrever { | , } a
K a D b D
b
= ∈ ∈
. Queremos dar a K uma estrutura de corpo,
isto é, queremos definir operações de soma e de produto em K de modo que com essas
operações K seja um anel com unidade onde todos os elementos não nulos têm inverso
(veja a Definição 3.2.13). As operações serão definidas da seguinte forma:
a soma de duas classes será definida por :
a c a d b c
b d b d
+
+ = , e
o produto de duas classes será definido por :
a c a c
b d b d
⋅ = .
110 Estruturas Algébricas
Teoria de anéis com unidade e corpos de frações
Observe que, nas definições acima, como b e d estão em D
temos que b e d são não
nulos, e como D é um domínio temos que b d também é um elemento não nulo, ou
seja b d D ∈
, logo faz sentido b d aparecer no denominador tanto de a d b c
b d
+
(que
denota a classe de ( , ) a d b c b d D D + ∈ ×
) quanto de a c
b d
(que denota a classe de
( , ) a c b d D D ∈ ×
). Como definimos operações sobre classes de equivalência precisamos
mostrar que o resultado não depende dos representantes escolhidos. Assim suponha
que ( , ) a b e ( ', ') a b estejam na mesma classe de equivalência (e portanto '
'
a a
b b
= ) e que
( , ) c d e ( ', ') c d estejam na mesma classe de equivalência (e portanto '
'
c c
d d
= ) . Vamos
mostrar que
' '
' '
a c a c
b d b d
+ = + e que
' '
' '
a c a c
b d b d
⋅ = ⋅ . De '
'
a a
b b
= temos que a b b a ' ' = e
de '
'
c c
d d
= temos que c d d c ' ' = . Para ver que a soma não depende dos representantes
escolhidos, multiplicamos ambos os lados de a b b a ' ' = por d d ' obtendo
a b d d b a d d ' ' ' ' = , e multiplicamos ambos os lados de c d d c ' ' = por b b ' obtendo
c d b b d c b b ' ' ' ' = . Somando as igualdades obtidas temos
a b d d c d b b b a d d d c b b ' ' ' ' ' ' ' ' + = + que pode ser reescrita como
( ) ' ' ( ' ' ' ') a d b c b d a d b c b d + = + e essa igualdade mostra que ' ' ' '
' '
a d b c a d b c
b d b d
+ +
=
ou seja, ' '
' '
a c a c
b d b d
+ = + . Para ver que o produto não depende dos representantes,
multiplicamos as igualdades a b b a ' ' = e c d d c ' ' = obtendo a cb d b d a c ' ' ' ' = e então
podemos concluir que ' '
' '
a c a c
b d b d
= , ou seja, ' '
' '
a c a c
b d b d
⋅ = ⋅ . Isso mostra que a soma e o
Estruturas Algébricas 111
MÓDULO 4
produto que definimos são de fato soma e produto de classes de equivalências.
Para ver que K é um anel temos que verificar as seis condições da Definição 3.2.1. Da
definição das operações sobre K é fácil verificar que tanto a adição quanto a multiplicação
são comutativas (faça isso, leitor!). Lembramos que D é um domínio, e em particular
um anel com unidade 1 e estamos assumindo 1 0 ≠ (veja o parágrafo antes dos Exemplos
3.2.2), assim (0,1) e (1,1) são elementos de D D×
e suas classes são denotadas por 0
1
e
1
1
, respectivamente. Temos que para todo a
b
em K vale 0 0. 1.
1 1.
a b a a
b b b
+
+ = = e
1
1
a a
b b
⋅ = , logo o elemento neutro da soma é 0
1
e a unidade é 1
1
. Deixamos a verificação
da associatividade da soma e do produto para o leitor e vamos fazer aqui a verificação
da distributividade. Dados a
b
,
c
d
e
e
f
em K temos ( ) a c e
b d f
⋅ + =
( ) a c f d e a c f a d e
b d f b d f
+ +
⋅ = , por outro lado temos a c a e a c a e
b d b f b d b f
⋅ + ⋅ = + =
a c b f b d a e
b d b f
+
e é fácil verficar que a c f a d e a c b f b d a e
b d f b d b f
+ +
= mostrando que
( )( ) ( a c f a d e b d b f a c b f b d a e b d f + = + )( ) (faça as contas, leitor!). Vemos assim
que K é um anel (comutativo) com unidade, e para ver que K é um corpo vamos
precisar do seguinte lema.
Lema 4.2.6. No anel K construído acima temos que 0
1
a
b
= se e só se a =0 .
Prova. Se 0
1
a
b
= então vale que a b .1 .0 = , ou seja a =0 . Se a =0 temos
0 0
b 1
= já que
0.1 .0 =b .
112 Estruturas Algébricas
Teoria de anéis com unidade e corpos de frações
Para mostrar que K é corpo temos que mostrar que todo elemento não nulo tem inverso
multiplicativo. Seja então a
K
b
∈ um elemento não nulo, pelo Lema acima sabemos que
a ≠ 0 , ou seja, a D ∈
. Assim ( , ) b a é um elemento de D D×
, e sua classe é denotada
por
b
a
. Temos que
. 1
. 1
a b a b
b a b a
⋅ = = sendo que a última igualdade vale porque a b b a .1 .1 =
Isso mostra que todo elemento não nulo de K tem inverso e logo K é um corpo.
Definição 4.2.7. O corpo K construído acima é chamado de corpo de frações do domínio
D .
Seja φ : D K → a aplicação definida por ( )
1
a
φ a = para todo a D∈ . Temos que
( ) ( ) ( )
1 1 1
a b a b φ a b φ φ a b +
+ = = + = + (verifique a penúltima igualdade!) e .
( . )
1
a b φ a b = =
( ). ( )
1 1
a b
⋅ = φ φ a b , além disso temos que 1
(1)
1
φ = . Isso mostra que φ é um homomorfismo
de anéis com unidade. Além disso se 0
( )
1
φ a = então temos do Lema 4.2.6 que a =0 , o
que mostra que Ker( ) 0 φ = e logo φ é injetor (veja a Proposição 3.1.9). É usual, quando
se estuda corpos de frações, identificar os elementos de φ( ) D com D e escrever
D K ⊂ . Pode-se mostrar que o corpo de frações de um domínio D é o menor corpo
que contém D no seguinte sentido: se K ' é um corpo que contém D então existe um
homomorfismo injetor de anéis φ : ' K K → de modo que φ( ) K é um subcorpo de K '
que contém D .
Exemplos 4.2.8. i) O exemplo clássico dessa construção é obviamente o corpo dos
números racionais, que é obtido fazendo-se a construção acima tomando D = Ζ , e logo
D = Ζ −{0}
. O corpo construído então é exatamente o dos racionais, onde os elementos
Estruturas Algébricas 113
MÓDULO 4
são escritos como frações do tipo a
b
, com a e b em Ζ e b ≠ 0 . A soma e a muliplicação
definidas são exatamente as que conhecemos e vale que a c
b d
= se e só se a d b c = ,
como aprendemos na escola.
ii) Vimos que Ζ = + ∈ Ζ [ 2]: { 2 | , } a b a b é um anel (comutativo e com unidade) no
Exemplo 4.1.15 (ii). É claro que Ζ[ 2] é um domínio pois seus elementos são, em
particular, números reais e sabemos que quando multiplicamos dois reais não nulos o
resultado é um real não nulo. Aplicando a construção acima para esse domínio obtemos
um corpo K cujos elementos são as classes de equivalência da forma 2
2
a b
c d
+
+
, com
a ,b , c e d em Ζ e c d + ≠ 2 0 . Pode-se mostrar que K é isomorfo ao corpo Q[ 2]
dado por 1 2 1 2 Q q q q q Q [ 2]: { 2 | , } = + ∈ , onde Q é o corpo dos números racionais.
Esse texto apresentou alguns aspectos de partes da Álgebra, tendo visitado
especialmente a Teoria de Grupos e a Teoria de Anéis. A Álgebra é um vasto campo
na Matemática, e caso o aluno queira prosseguir em seus estudos poderia começar,
por exemplo, pelo livro Tópicos de Álgebra de I. Herstein ou também pelo livro
Elementos de Álgebra, de A. Garcia e Y. Lequain, já mencionados nesse texto. É
impotante salientar que Matemática é uma disciplina que se aprende fazendo, por isso
a resolução de exercícios é parte fundamental desse aprendizado. Além disso é preciso
ter um treinamento para se ler corretamente um livro de Matemática, e procuramos em
determinados lugares ajudar o leitor com essa leitura correta. Esperamos que o leitor
desse texto tenha avançado nesse aspecto e se torne cada vez mais independente em
seus estudos.
114 Estruturas Algébricas
Estruturas Algébricas 115
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
[1] DOMINGUES, H. H. E IEZZI, G., Álgebra Moderna, Atual Editora, São Paulo, 1982.
[2] MONTEIRO, L.H. J., Elementos de Álgebra, LTC , 1969.
[3] LANG, S., Álgebra para Graduação, Editora Ciência Moderna, Rio de Janeiro, 2008.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
[5] GARCIA, A.; LEQUAIN, Y. Elementos de álgebra. IMPA – Projeto Euclides, Rio de
Janeiro, 2002.
[6] GONÇALVES, A. G. Introdução à álgebra. IMPA – Projeto Euclides, Rio de Janeiro,
1979.
algébrica